23 dez, 2024 • Alexandre Abrantes Neves
A Europa tem a obrigação de “fazer mais” para normalizar o tema da imigração nas sociedades e afastar “falsos medos” entre a população. É este o consenso a que chegaram os convidados do último episódio do Geração Z, da Renascença e da EuranetPlus.
Com o objetivo de olharem para o passado, o presente e o futuro da União Europeia, três gerações da mesma família – um avô, uma mãe e um neto – pedem à Europa para ser “mais solidária” na reação às vagas migratórias dos últimos anos.
“Há uma necessidade e normalidade com a qual os seres humanos sempre se movimentaram. Nós, de matriz judaico-cristã, somos filhos do êxodo, do exílio, herdeiros disso. Há uma visão de medo, medo do quê? De inveja? (...) As pessoas não são uma abstração, são concretas”, defende Inês Espada Vieira, professora na Universidade Católica Portuguesa nas áreas do discurso e da cultura espanhola.
Apesar de a conversa ter sido gravada antes da polémica operação especial da PSP no Martim Moniz em Lisboa, a imigração foi um dos temas principais. O pai, Pedro Vieira, aponta que este é um “desafio muito grande”, até porque é uma área onde a competência é partilhada entre a UE e os Estados-membros.
Este jornalista (que passou por redações como "O Jornal", "Visão" e "Visão História") pede um “consenso rápido” que conjugue os princípios universais com as soluções que ajudam as pessoas no “dia-a-dia” – precisamente para evitar que cheguem respostas “que nos parecem uma aberração, como enviar migrantes para o Ruanda”.
“As sociedades ficam um bocado em convulsão [com a imigração]. Mas é normal que fiquem. Também não podemos achar que isso é uma coisa de outro mundo. (...) Precisamos é de soluções”, apela.
Do lado da filha, estas tensões são acentuadas quando os imigrantes são pobres, “não são bem iguais a nós, têm alguns problemas e nós temos de acudir”. Um apoio que, segundo Inês Espada Vieira, não é mutuamente exclusivo: “não estamos a dar mais atenção a uns em detrimento de outros”, sublinha.
Num episódio onde se fala de três tempos diferentes da União Europeia, Inês Espada Vieira, de olhos no filho, pede que se dê cada vez mais atenção ao diálogo intergeracional por Bruxelas. E, para o filho, se há tema importante para esse diálogo esse tema são as alterações climáticas.
Geração Z
Em ano de eleições europeias, fazemos o diagnóstic(...)
“Não tenho muita noção, porque é um tema que sempre se separa [a UE e o clima]. Não me lembro de terem falado sequer dos dois juntos. Seria bom que Bruxelas organizasse o pensamento de cada um. A falta de interesse que alguns jovens, incluindo-me a mim, têm em relação a estes temas é mesmo por causa da falta de informação”, lamenta Pedro Váquez, estudante de licenciatura no Instituto Superior Técnico, em Lisboa.
As diferenças geracionais são óbvias e, apesar de também reconhecer a importância destes temas, quando passamos a bola ao avô, há outros desafios importantes para a Europa.
Além da guerra na Ucrânia – que “não diz respeito só a Kiev” e que impede a UE de “deixar só os países daquela zona sozinhos” no que toca à integração” –, o restante cenário internacional coloca a Europa num “momento decisivo”, nomeadamente o regresso de Donald Trump à Casa Branca.
“As coisas vão ser um bocado diferentes, não é? A Europa tem vivido num ponto de vista de segurança e defesa à sombra dos Estados Unidos. Há uma frase do Macron em que ele diz que a Europa é um herbívoro num mundo de carnívoros”, assinala.
Uma dessas diferenças estruturais é, para Pedro Vieira, uma economia que preza a concorrência, mas sem desprezar o pilar social. A filha também destaca esta valência da UE: “Apetecia-te ir viver para China? Este é um exercício importante para fazermos antes de olharmos para a Europa com desconfiança”, desafia.
Acordou, mas também é “normal que haja uma erosão” – o barómetro da política europeia, divulgado este ano pelo Eurostat a propósito das eleições europeias, mostrou que 45% dos portugueses não tem uma visão positiva e de confiança nas instituições, uma tendência decrescente nas últimas três décadas.
Este jornalista aponta o Espaço Schengen como uma das maiores vitórias desse sonho: “Se os meus pais vissem isto, seria uma coisa estranha”. A filha, investigadora em áreas como o discurso, migrações e política espanhola, considera que este é um dos muitos exemplos (a par da pandemia) de como o projeto de “paz e solidariedade” da Europa continua vivo.
Pedro Vázquez descansa o resto do painel, ao dizer que os jovens também olham com “confiança” para as instituições europeias. Mas deixa um alerta: é preciso que a escola faça cada vez mais e melhor por aproximar os mais novos da UE.
“A UE é um tema que se fala mais no secundário e aí eu já estava em ciências. A minha educação sobre isto foi em casa e as poucas coisas que eu vejo nas notícias. (...) Acho que é um tema muito mais interessante do que outras coisas que falámos ao longo dos anos [na disciplina de Cidadania]”, defende.
O episódio não acaba sem antes nos contar que os planos para o futuro próximo passam por querer fazer Erasmus – não fosse ele também filho de um casal que se conheceu num desses intercâmbios. “Quase que deve a vida à Europa”, comenta a mãe, entre risos.