14 dez, 2024 • Sandra Afonso , Arsénio Reis
A 26 de agosto deste ano milhares de pessoas sentiram o abalo, 5,3 na escala de Richter, com epicentro em Sines. Mas não seria preciso este último sismo para nos lembrarmos das nossas vulnerabilidades.
Desde outubro de 2023 que a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) prepara o Fundo Sísmico, um projeto pedido ainda pelo Governo anterior, de António Costa.
Em entrevista ao programa Dúvidas Públicas, da Renascença, a presidente da ASF levanta a ponta do véu deste trabalho que, garante, será entregue ainda este ano ao novo executivo de Luís Montenegro.
Margarida Corrêa de Aguiar lembra que menos de 20% dos edifícios no país têm cobertura sísmica, uma situação que deverá mudar com a implementação desta proposta. O regulador defende um Fundo Sísmico com gestão público-privada, garantia estatal a partir de determinado valor e contribuições de um seguro obrigatório.
A presidente da ASF diz ainda que, em 2025, são esperados agravamentos também nos prémios dos seguros, mas não tão acentuados como nos últimos dois anos. Devem acompanhar a descida da inflação.
Ainda sobre os prémios, garante que a maioria das seguradoras, 80%, já indica aos clientes se há alterações na anuidade, quando os contratos são renovados, e porque muda o valor. A partir de janeiro passa a ser obrigatório o envio desta informação, detalhada, também quando os tomadores de seguros são empresas.
O supervisor dos seguros não disponibiliza simuladores, mas quer garantir que os produtos com mais procura podem ser comparados. Para isso, estão em consulta pública “condições padrão” definidas para os seguros de saúde. O objetivo é alargar esta iniciativa a todos os seguros "de massas", os que são mais comercializados, diz Margarida Corrêa de Aguiar no programa Dúvidas Públicas.
A presidente da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões antecipa, ainda, que as reclamações no setor desceram no primeiro semestre, em comparação com igual período do ano passado, segundo o Relatório de Gestão de Reclamações, relativo ao primeiro semestre de 2024, que será divulgado em breve.
Margarida Corrêa de Aguiar diz, também, que são necessários incentivos à poupança para a reforma. Apenas 4% dos trabalhadores no ativo têm fundos complementares de pensões pagos pelas empresas e outros 4% têm Planos de Poupança Reforma (PPR). No entanto, estes produtos já não são, há muito tempo, uma opção para a reforma, segundo a presidente da ASF.
Lamenta ainda que o regulador não tenha sido ouvido sobre a lei que define a morte medicamente assistida, que está neste momento no Tribunal Constitucional. Ainda assim, acredita que não haverá problemas com os seguros de vida. Explica ainda que a aplicação da eutanásia será supervisionada pelo Governo.
A Associação Mutualista Montepio Geral está em incumprimento. Decorre neste momento o prazo de 12 anos para a adaptação ao regime da atividade seguradora, para que os produtos financeiros da mutualista sigam as mesmas regras de concorrência do restante mercado e fiquem sob a supervisão da ASF.
Em 2021 o grupo apresentou um plano ao regulador, que chumbou a proposta. Desde então não se conhecem outras iniciativas. A presidente da ASF diz que o próximo passo é agora do Governo.
O Dúvidas Públicas é a entrevista de economia da Renascença, que pode ouvir aos sábados, a partir do meio-dia, ou em qualquer altura no site ou em podcast.
Ano novo, preços novos e os seguros não fogem à regra, mas nem sempre os segurados são informados dos aumentos quando os contratos são renovados. O Supervisor deu instruções para que as seguradoras não se limitassem a indicar a nova anuidade. As instruções estão a ser cumpridas?
O ano de 2024 foi um ano transitório, para as empresas de seguros se prepararem para emitirem avisos de pagamento com informação detalhada sobre a variação dos prémios.
Quando pagamos um seguro, recebemos em casa um aviso de pagamento e, normalmente, não encontramos uma explicação para a variação do valor do prémio. A Autoridade decidiu apelar às empresas de seguros para detalharem a que é que se deve a variação do prémio que está a pagamento. Pode ser por razões de correção monetária, de taxa de inflação, porque o cliente alargou as coberturas, porque alterou os capitais e também pode ter que ver com a sinistralidade, que pode agravar os prémios.
Esta informação terá de passar a constar nos avisos de pagamento. Poderei dizer que, neste momento, cerca de 80% do mercado já emite avisos de pagamento com esta informação relativamente a seguros de automóvel, seguro de saúde e seguro multiriscos incêndio e habitação para os tomadores de seguro individuais.
A partir de janeiro de 2025 isto é alargado a todas as apólises de seguros, com exceção do seguro de saúde, que continua a focar-se no seguro individual. Espero que dê maior transparência ao mercado e mais informação ao consumidor, que se sinta mais apoiado e mais protegido. Por outro lado, vai também disciplinar a atividade.
A partir do dia 1 de janeiro, os clientes empresariais também estão incluídos?
Sim, ficará a abranger todos os clientes.
E não são letrinhas pequeninas?
Não, não. Isto não vai ser com letras pequeninas. Qualquer pessoa poderá entender. É uma informação descodificada e que vai aparecer parcela a parcela, de muito fácil leitura e compreensão.
Já pode antecipar qual é que deverá ser o aumento médio dos seguros no próximo ano?
O que se espera é que, com a descida da taxa de inflação, caminhemos agora para um ambiente de atualização de prémios, com taxas mais baixas, alinhadas com o nível de inflação. O que não aconteceu em 2023 e ainda com impactos em 2024 e em 2022, devido exatamente à subida da taxa de inflação.
Seguindo o seu raciocínio, agora com a inflação a descer, a expectativa é de que o aumento dos prémios seja eventualmente menor do que o que se poderia prever há um tempo atrás? Não que não exista aumento.
Não, aumento certamente que vai existir e eu diria que, em princípio, estará alinhado com o movimento de descida da taxa de inflação.
Não encontramos simuladores no portal do Supervisor, instrumentos já habituais que existem noutros setores. Porque é que não tem este tipo de ferramenta? Não acha que podem facilitar a vida aos tomadores de seguros?
Sim, poderá facilitar a vida, mas já existem muitos simuladores. Quase todas as empresas disponibilizam simuladores, pensámos que não iríamos cobrir aí uma lacuna do mercado.
Ainda assim, nem sempre é fácil comparar as condições que determinadas companhias oferecem em detrimento de outras. Na área da saúde, a Autoridade já está a pensar numa forma de tornar mais fácil esta comparação.
Nós estamos a apostar mais nos comparadores. Temos neste momento em consulta pública as chamadas "condições padrão" do seguro de saúde.
O que é que se pretende? Que as empresas que vendem seguros de saúde adotem um conjunto de condições, que têm que ver com as coberturas, hospitalização, medicina preventiva, ambulatório, também doenças alargadas mais graves, por exemplo, cancro ou doenças cardiovasculares. Estamos ainda a falar dos capitais destas coberturas. E que as asseguradoras de saúde estejam disponíveis para oferecer um seguro de saúde que cumpre com estas condições: X coberturas com determinados capitais.
Vai permitir dar uma maior transparência às condições dos seguros de saúde e, sobretudo, vai permitir que os consumidores possam comparar aquilo que é comparável. Evidentemente, há aqui uma preocupação da autoridade de promover condições adequadas à proteção da saúde dos consumidores porque, muitas vezes, adquirem seguros de saúde cuja proteção é mínima e não resolve determinado tipo de problemas. Estas condições padrão, para certas coberturas e com determinados capitais, permitem oferecer um cabaz de coberturas mais adequado à proteção que se pretende com o seguro de saúde.
Temos neste momento cerca de 4 milhões de beneficiários de seguros de saúde.
Recebem muitas reclamações de pessoas que pensavam ter determinadas coberturas no seguro de saúde e depois descobrem que não era bem assim?
Não recebemos muitas reclamações desse tipo, porque às vezes as pessoas também não têm consciência do que é que estão a contratar. Para reclamar, é preciso saber. Só reclama quem sabe.
Onde há mais reclamações é relativamente ao tema dos planos de saúde. É a confusão que está instalada entre planos de saúde e seguros de saúde. São dois produtos muito distintos. E nós vamos também tomar algumas iniciativas relativamente a esse tema.
Quer explicar a diferença entre os dois?
Um plano de saúde, na verdade, é um cartão de descontos. Qualquer empresa, não precisa de ser uma empresa de seguros, pode oferecer um cartão para despesas de saúde. Essencialmente são consultas médicas.
Quem fornece esse serviço não corre nenhum risco. Uma seguradora, quando oferece um seguro de saúde, está sujeita a um conjunto de regras e corre riscos, quando vende um seguro de saúde.
Ainda sobre as "condições padrão", porque é que só avançaram com a medida na saúde?
Vamos ter oportunidade de estabelecer "condições padrão" para vários seguros.
Isto é a primeira iniciativa e começámos com o seguro de saúde porque foi um mercado que cresceu muito depressa, já são muitos milhões de pessoas, que tem a ver com a saúde, que é um bem muito valioso.
Atinge uma população que pode ter dificuldades adicionais.
Também. Considerámos que devíamos começar com a saúde. A ideia é, depois, alargar a outros ramos. Correndo bem esta operação, poderemos depois avançar para outros seguros. Não digo que seja para todos, mas para aqueles seguros de massa.
Ainda é elevada a percentagem de casos no país sem seguro ou qualquer tipo de proteção financeira?
Ainda existe alguma percentagem. Temos muitos casos de acidentes na estrada em que se constata que a viatura não tem um seguro de responsabilidade civil. Agora, por exemplo, no risco sísmico, o que nós constatamos no âmbito do trabalho que estamos a fazer neste momento e que vamos entregar ao governo de criação de um fundo sísmico? Menos de 20% do parque habitacional tem um seguro para cobrir o risco sísmico. Ora, aqui temos uma situação que nós designamos por "protection gap", sabendo nós que o país, especialmente algumas zonas do nosso território, corre risco sísmico elevado, dizem os especialistas.
A criação deste fundo sísmico foi um pedido feito pelo anterior governo e é um assunto que tem já muitos anos. Nós vamos entregar a encomenda.
Termina o prazo no final deste ano.
É evidente que há aqui decisões políticas para tomar. Nós fizemos o trabalho técnico, mas depois há aqui decisões políticas para tomar e essas pertencem ao governo e é natural que o governo venha depois também a necessitar de mais informações complementares, adicionais, etc.
Temos aqui um processo, algum trabalho à frente.
Mas nunca será obrigatório este tipo de seguro?
A ideia é tornar o seguro de cobertura de risco sísmico obrigatório.
E isso poderá acontecer num prazo razoavelmente curto?
Isto agora vai depender de decisão política. Mas poderemos depois ter aqui algum gradualismo na alimentação do fundo. Provavelmente é isso que vai acontecer.
Agora, é importante termos um mecanismo coletivo de capitalização para um caso de catástrofe, e não precisa de ser uma grande catástrofe.
Para as pessoas perceberem, os prémios deste seguro revertem para o fundo?
Ao contratarem um seguro para cobrir o risco sísmico, estão a contribuir para o fundo sísmico, que terá depois uma gestão especializada, uma gestão técnica.
A nossa proposta é de gestão pública, tem que ser. Embora, o que vamos ter aqui é um programa público-privado: temos as pessoas, as famílias, que adquirem seguros privados, temos um fundo que depois faz a gestão de toda essa massa de seguros e temos o Estado que tem depois uma comparticipação em termos de garantias. Porque nós não vamos segurar tudo, segura-se até um determinado nível e se o desastre que ocorrer tiver implicações materiais que vão para além do nível definido, então o Estado avança. Se quiséssemos segurar tudo, ficaria inviável.
Falta só uma pergunta, sobre o prémio que caberá a cada segurado pagar. Qual poderá ser o valor?
Não vou adiantar valores, até porque vão depender das regiões? Temos regiões de maior risco e temos regiões de menor risco. Quem tem menor risco paga menos, quem tem maior risco paga mais.
Conheço os valores, há valores estimados, mas acho que não devo revelar neste momento.
Disse que 20% já têm seguro contra fenómenos sísmicos. O que acontece nestes casos?
É adaptado e até pode ficar mais económico.
Defende mecanismos coletivos de cobertura e financiamento para quem não consegue adquirir um seguro. Aproveitando a sua atitude pedagógica, ajuda-nos a perceber melhor o que é que isto pode significar?
Em áreas onde é muito difícil oferta suficiente para cobrir riscos, ou em que a procura é curta, para termos aqui uma cobertura coletiva satisfatória, este tipo de mecanismos são indicados. Por exemplo, esta iniciativa do fundo sísmico, se correr bem, pode servir para algo idêntico, mas para catástrofes climáticas.
Nós vemos também que há um gap muito significativo de proteção, em termos de seguros, para este tipo de catástrofes climáticas. Estou a falar de incêndios e de inundações. Estas catástrofes estão a acontecer com maior frequência e maior severidade e nem por isso vemos que haja maior procura e também uma oferta adequada, porque estes seguros também têm que ter escala. Temos aqui problemas de oferta e de procura.
E são mecanismos público-privados?
Sim. O financiamento é feito por privados, porque são as pessoas que adquirem seguros, mas a gestão tem que ser pública, porque nós estamos aqui a falar de um interesse público e porque o Estado também estará presente.
Há já muitos países, e por essa Europa fora, que têm este tipo de mecanismos, especialmente para as catástrofes climáticas, na medida em que nem toda a Europa tem um perfil de risco sísmico, como o Mediterrâneo.
Com o envelhecimento da população, está a aumentar a procura de soluções de poupança ou de forro, alternativas à própria reforma?
Não, não se regista esse movimento.
Seria prudente?
Seria muito prudente, porque o que vai acontecer, e todos os estudos demonstram isso, é que a taxa de substituição da pensão pública tenderá a reduzir-se. Eu lembro que foi feita uma reforma, em 2007. A reforma foi boa, foi oportuna, foi necessário fazê-la, penso que não foi suficiente.
O que todos os estudos mostram, ainda agora o Aging Report da Comissão Europeia mais uma vez confirma uma descida significativa das taxas de substituição, que vão atingir especialmente as gerações mais novas e aquelas que estão a meio da tabela. A pensão pública continua a ser um pilar importantíssimo, é o pilar fundamental do nosso sistema de segurança social, e a menos que outras medidas sejam tomadas ao nível do sistema público, o que nós agora devemos fazer, já devíamos estar a fazê-lo há muito tempo, é criar um quadro regulamentar propício para que as pessoas e as empresas poupem através do segundo pilar e do terceiro pilar. O segundo pilar significa as empresas constituírem fundos de pensões para os seus colaboradores. O terceiro pilar significa cada pessoa, cada indivíduo poder canalizar algum rendimento para mais tarde juntar à pensão pública.
Mesmo o segundo pilar, que são os regimes complementares oferecidos por empresas, abrange menos de 4% da população ativa. É muito residual. E no terceiro pilar, que são os PPRs, a população ativa abrangida andará também à volta dos 4%.
Que avaliação faz desta oferta no mercado? Dos PPR, por exemplo?
O PPR é um produto que está completamente desvirtualizado. Já não é um produto de poupança para a reforma há muito tempo. Eu diria mesmo que é um produto quase de liquidez imediata. Ele foi desvirtuado ao longo do tempo e hoje não cumpre, do meu ponto de vista, não cumpre a função pela qual foi criado, que era de ser verdadeiramente um produto de poupança de longo prazo para a reforma.
Neste momento não há um substituto do PPR.
Qual é a alternativa para quem tem esse objetivo?
Podíamos olhar para isto do lado da oferta. Também tem de haver aqui ajustamentos de produto. Mas o tema da fiscalidade é aqui um tema muito relevante. Eu lembro que o PPR foi criado pelo ministro Miguel Cadilhe, na convicção de que é necessário criar um produto para todos, simples, que todos percebam, para complementar a pensão pública. E oferecendo uma vantagem fiscal, que se foi também diluindo?
Deveriam de ser renovados estes incentivos fiscais?
Provavelmente tem mesmo de haver incentivos, porque o que nós estamos a ver é que estes dois pilares não se desenvolvem. Ou seja, são muito poucos os trabalhadores que na verdade têm estes regimes complementares. As empresas de seguros têm de redesenhar produtos de poupança para a reforma, o Estado tem que repensar certamente as suas políticas públicas e os cidadãos têm que ser mais sensibilizados para a necessidade de pouparem.
E aí entramos no tema da literacia financeira, que também é um tema. Isto é mesmo um esforço coletivo. Há campo para se fazer mais e eu acho que há um sentido de urgência.
Na semana passada tivemos aqui um convidado que, entre outras coisas, disse que a revisão da tributação do trabalho terá de passar pela inclusão das máquinas, da inteligência artificial, tendo em conta a sustentabilidade da empresa social. Concorda com esse princípio?
Devemos manter um sistema que estabelece uma relação sinalagmática entre o que se contribui e o que se recebe. Isso é muito importante, preservar esse sistema. Nós sabermos que, se contribuímos e estamos dentro do sistema, estamos a formar uma pensão de acordo com determinadas regras e que é função das contribuições que foram feitas. Esta relação sinalagmática é fundamental, não a podemos destruir.
Agora, com o desenvolvimento tecnológico a que estamos a assistir, e já há países que adotaram estas políticas, que é chamar ao financiamento da segurança social esta economia tecnológica, que deve também contribuir para o sistema. Mas não está na relação sinalagmática, é uma diversificação de fontes de financiamento e, portanto, seria mais uma atividade económica que iria contribuir para o financiamento do todo, sem pôr em causa a tal relação sinalagmática que nós devemos manter e que é um princípio básico do nosso sistema social.
Sim, tenderei a concordar, até porque há países que já adotaram. Houve até uma discussão, aqui há uns anos, a nível europeu, na tentativa de se definir um regime, não foi possível chegar a um acordo e houve alguns países que avançaram e estão a tributar.
Segundo um estudo da DECO deste verão, a satisfação dos consumidores com as companhias de seguros, automóvel, multirisco, habitação e saúde, continua aquém do desejável. As exclusões previstas são o que mais desagrada. No fundo, do que é que se queixam os segurados?
O ramo mais reclamado é o ramo automóvel, não por causa dos prazos para a resolução dos sinistros, mas por causa das responsabilidades que, na resolução dos sinistros, são atribuídas a uns e a outros. O automóvel tem um elevado nível de reclamações.
Depois temos também os multirriscos, incêndio e habitação, têm também uma cota bastante elevada de reclamações. Seguros de saúde, não tanto, apesar do significativo aumento deste setor, nós não vemos que as reclamações tenham acompanhado esse crescimento. Portanto, eu diria que é o automóvel e é o multirriscos onde há uma maior concentração de reclamações. Mas não vejo no total aumentos de reclamações.
Vamos publicar o relatório das reclamações do primeiro semestre de 2024 e, por aquilo que me foi dado ver, até o número de reclamações ficará ligeiramente abaixo, teremos uma variação homóloga simpática, que significa que as reclamações não estão a crescer.
Também devo dizer que isto é um pau-de-dois-bicos. Não ter reclamações não significa que os consumidores de seguros estejam todos satisfeitos. Se não souberem qual é o nível de satisfação que deveriam ter, se não souberem aquilo que deveriam receber de uma seguradora, também não vão reclamar.
Disse que no caso do automóvel não há problema com os prazos de resolução, mas há noutras situações?
Onde há reclamações relacionadas com prazos de resolução de sinistros muito alargados é nos seguros multiriscos. Isso não acontece no automóvel, porque no automóvel existem prazos máximos de resolução que, aliás, estão na lei, e as empresas desse ponto de vista cumprem.
Em relação ao seguro multirriscos, incêndio, está em consulta pública uma proposta para fixar prazos máximos de resolução de sinistros multirrisco, prazos curtos. Fechada a consulta pública, penso que talvez consigamos ter os prazos máximos a funcionar daqui a uns 3 meses.
A lei de eutanásia já foi aprovada, mas ainda aguarda por regulamentação no Tribunal Constitucional. Como é que ficam os beneficiários, os herdeiros, de alguém com um seguro de vida que recorre à eutanásia ou morte medicamente assistida?
A Autoridade não foi ouvida em relação a essa lei e também a lei não lhe confere, já agora, quaisquer poderes de regulamentação, quem fará a regulamentação julgo que é o Governo, penso que a fiscalização será assegurada por um organismo do Ministério da Saúde.
Na matéria dos seguros de vida, inicialmente houve alguma controvérsia em torno disso e depois a Associação Portuguesa de Seguradores apresentou um conjunto de propostas para ultrapassar algumas dificuldades relacionadas com a ligação da eutanásia com os seguros de vida. Tanto quanto julgo saber, até é uma matéria que não vai ser necessário regulamentar, julgo que é pacífico aquilo que ficou na lei, penso que não haverá problemas relativamente a interpretações que possam surgir sobre se perante determinado quadro em que a eutanásia se concretiza há ou não há lugar à utilização de seguros de vida.
Acha que o Supervisor deveria ter sido ouvido?
Eu acho que deveria ter sido ouvido, mas também não ter sido ouvido não quer dizer que daí tenha derivado algum prejuízo.
Com a entrada em vigor da lei, o que é que pode acontecer aos seguros que já existiam, que já eram comercializados?
Normalmente esta legislação não é disruptiva e não retroage, é um detalhe que não lhe sei responder, mas julgo que não.
Adelaide Cavaleiro apresentou a resignação em junho, cerca de um ano e meio depois de chegar à administração do Supervisor, apontando fortes divergências consigo. Foi uma questão pessoal ou diferenças na estratégia?
Não vou olhar para o tema de uma forma pessoal, acho que não o devo fazer.
Presido a este Conselho de Administração desde 2019 e já conheci diferentes composições do Conselho de Administração da ASF. O Conselho de Administração sempre funcionou bem, é coeso, organizado, participativo, tem o seu funcionamento estabelecido em regulamento, existem regras de funcionamento, há uma distribuição de pelouros, se as pessoas não lhes agrada o modelo, que aliás parte dele está vertido nos estatutos, não é uma invenção do Conselho de Administração. Cabe ao Presidente assegurar que o Conselho de Administração funciona bem, é coeso, é participativo e é isso que eu tenho procurado fazer desde sempre e nunca tive problemas com outros membros do Conselho de Administração.
Neste caso, a pessoa entendeu, terá as suas razões, de que aquele modelo não era do seu agrado, não se terá dado bem, não gostou, não se adaptou e decidiu ir-se embora. O que eu posso concluir daqui é que este Conselho funciona normalmente e desde o princípio.
Termina o mandato de 6 anos em junho de 2025, portanto faltam cerca de 6 meses. O Montepio foi um dos dossiês mais complicados que teve de resolver? E esta questão vai marcar a sua liderança?
Não, não acho que seja essa a questão que vai marcar a minha liderança. Haverá tempo para fazer um balanço, mas há aspetos bem mais interessantes que irão certamente marcar a minha liderança.
Em 30 segundos, diga-nos um ou dois.
A melhoria da qualidade da regulação, feita pela ASF, o reforço das competências em matéria de supervisão, a reorganização da gestão da autoridade, a transformação digital da autoridade, isto só para dar alguns exemplos.
Em 2021 chumbou o plano de convergência apresentado pela Montepio Geral, a Associação Mutualista que é dona do Banco Montepio e das Seguradoras Lusitânia. A Associação já tem ou continua sem um plano de adaptação ao regime de atividade seguradora?
Não, a Associação Mutualista Montepio Geral não tem um plano de transição aprovado, portanto, está sem plano de transição.
Tem ainda um prazo?
Não, agora já não tem. Apresentou um plano de transição, mas que não foi aprovado pela ASF. Não tendo sido aprovado pela ASF não está a cumprir com um plano de transição chancelado.
E que riscos corre por não cumprir esse plano?
O período de transição tinha 12 anos, esse período está a decorrer mas sem um plano de transição aprovado e que esteja a ser implementado, tendo em vista que a Associação, no final do período, tivesse um regime de solvência semelhante àquilo que é aplicado às empresas de seguros. Não havendo um plano de transição, essa convergência não se está a fazer.
Não se estando a fazer, a Associação Mutualista deveria estar a ser penalizada?
Agora há aqui uma decisão política para tomar, porque se a lei determina que determinadas associações mutualistas têm que ter um plano de transição, plano esse com uma duração de 12 anos, com vista à convergência para o regime de solvência das empresas de seguros, se a lei determina e se de facto essa regra não está a ser cumprida, então, tem que haver aqui uma decisão política.
Mas essa decisão política pode passar por que tipo de saída?
Pois, não sei.
Já decorreram 3 anos desde que rejeitaram o plano apresentado e não aconteceu nada, no fundo é isso que está a dizer?
Não aconteceu nada em relação ao plano de transição, porque estas associações continuam a desenvolver a sua atividade, a funcionar, julgo eu, normalmente, mas sem este contexto, sem este enquadramento implementado.
Nós demos apoio técnico ao anterior governo, no sentido de procurar fazer aqui uma revisão aos termos do que poderá ser um plano de transição, para ajudar que o plano de transição possa ser aprovado. Nós não podemos aprovar uma coisa que não é exequível.
Entretanto, o governo mudou, já tiveram algum contacto com a nova tutela?
Sim, temos tido, mas isto é uma matéria que neste momento está fora da autoridade e, aliás, o organismo que acompanha as associações mutualistas é a Direção-Geral de Segurança Social e, desse ponto de vista, não tivemos mais nenhuma informação.
Mas esta é uma situação de anormalidade, digamos assim, até dentro do próprio mercado e em termos de concorrência com as outras empresas, ou não?
Eu acho que o importante aqui é que estas entidades que vendem produtos financeiros similares aos seguros, que estejam sujeitas às mesmas regras de supervisão prudencial e comportamental, tendo sempre presente o interesse de proteção dos consumidores, neste caso dos investidores, que são os associados.
Estes regimes de solvência o que é que visam? Visam conferir às seguradoras uma robustez financeira para poderem funcionar, protegendo os interesses dos clientes das empresas e, portanto, o que se pretende é trazer para dentro destas associações exatamente a mesma lógica.
Qual é o ponto de situação da Lei do Esquecimento?
Vamos publicar, até ao final do ano, uma norma regulamentar que regulamenta a lei naquilo que diz respeito a matérias que são da competência da ASF, que tem que ver com a criação de um regime que garanta que as pessoas têm condições e informação suficiente e necessária para poderem exercer o seu direito no caso de situações de risco agravado de saúde ou deficiência e criar também um conjunto de regras, que terão que ser cumpridas pelas empresas de seguros, claro está, que dá garantias de que não haverá práticas discriminatórias.
Esta norma, que vai ser publicada até ao final do ano, esteve em consulta pública e foi tratada, incorporando contributos e sugestões. Da nossa parte, a lei ficará regulamentada, mas faltará ainda alguma regulamentação que compete ao Governo fazer, que julgo que também está a ser tratado. Penso que com esta regulamentação ficamos com a lei plenamente em vigor.