18 nov, 2019
As decisões éticas têm como pressuposto essencial a prudência. Esta, evidentemente, necessita de reflexão e tempo; tempo para refletir ou então, tempo que permita definir atempadamente a resposta e uma estratégia enformada em princípios éticos.
Todas as notícias que nos têm chegado sobre o setor da saúde esta semana confirmam, por um lado, a falência total do sistema e, por outro, a inexistência de uma estratégia a curto e a longo prazo. Urgências fechadas ou prestes a fechar em vários locais, falta de medicamentos essenciais nas farmácias, racionamento de fármacos oncológicos com consequências gravíssimas para os doentes, hospitais em rutura económica, enfim…Tudo no limiar, como disse José Fragata, “de um ponto sem retorno”. Se não sustivermos a crise, passaremos facilmente de um contexto de desastre instalado para uma situação de catástrofe iminente…
Do ponto de vista de definições podemos considerar duas situações diferentes: por um lado, o contexto de desastre em que existe um desequilíbrio entre os recursos necessários e os desejáveis; apesar de se assistir a falha de algumas estruturas, outras continuam, desejavelmente, a dar resposta adequada. E por outro lado, os contextos de catástrofes, situações pouco comuns onde, por definição, todas as estruturas de suporte falham.
Os códigos de ética médica e de investigação biomédica, emergindo de uma tendência onde a autonomia e o não causar dano aparecem como centrais e invioláveis, são pela falta de recursos disponíveis para todos desajustados às práticas em situações atuais. Desta forma, a análise das questões éticas em dar resposta a situações desta natureza e concomitante política que subjaz a esse mesmo programa exigem um quadro referencial de análise ética distinto.
A grande dificuldade ética que se coloca a decisões em situação de desastre é que “one size does not fit all”. Ou seja, como vamos encontrar a forma moral de agir quando as nossas decisões não podem ser somente enformadas em evidência científica? Como, perante doentes com prognósticos similares, vamos encontrar critérios de escolha que, não sendo médicos e não sendo os desejáveis, vão maximizar o bem comum? No fundo, quem vamos salvar no naufrágio? Como vamos garantir princípios éticos entendidos como fundamentais?
Deste modo, qualquer estratégia de pensar como se prioriza e quem se prioriza numa situação em que os recursos nos obrigam a escolher deverá ser pensada e refletida por todos os atores. Mas afinal, os nossos atores, pelo menos para já, os deputados do PAN e do BE andam entretidos a pensar como se podem matar as pessoas que neste sistema de iminente desastre vão pedir para morrer…
Ana Sofia Carvalho
Professora do Instituto de Bioética
Universidade Católica Portuguesa