23 dez, 2019
Volto uma vez mais ao tema da eutanásia. Confesso que ao ler a exposição de motivos dos projectos de lei apresentados pelo BE, PS e PAN me fez revisitar uma corrente filosófica, denominada de libertária, que teve como principal autor um filósofo de Harvard, Robert Nozick.
No preâmbulo do projecto do BE pode ler-se: “encarar a vida na perspetiva dos direitos que a configurem como experiência de liberdade implica que o direito inalienável de cada um/a fazer as escolhas fundamentais sobre a sua vida primado os direitos e da livre decisão pessoal.” De facto, também para Nozick é imprescindível uma posição neutra do Estado, face às escolhas voluntárias de adultos conscientes. No entanto, esta lógica do “Estado mínimo”, um Estado que não viole a autonomia de cada um, é, no meu entender, uma violação da base identitária dos partidos de esquerda.
Ou seja, Nozick sugere que: "um Estado mínimo, limitado às estreitas funções de proteção contra a violência, o roubo e a fraude, garantia do cumprimento de contratos, etc…, justifica-se (...) qualquer Estado mais extenso violaria o direito das pessoas de não serem obrigadas a fazer certas coisas e, portanto, não se justifica”.
Assim, tal como sublinha o PS ao reafirmar “o entendimento que perfilhamos de que o Estado não pode rejeitar a autonomia das pessoas para fazerem livre e esclarecidamente as suas escolhas pessoais de acordo com os seus valores, ou, caso contrário, teríamos uma conceção moral dominante imposta ao resto da sociedade”, também Nozick defende o princípio da não interferência. Logo, se por um lado, considera eticamente legítimo o uso de impostos para fins que sirvam a todos e cada um dos cidadãos, como polícia, estradas, bombeiros, proteção civil e outros serviços indispensáveis, por outro, o uso de impostos para redistribuição de bens são, na filosofia libertária, eticamente inaceitáveis.
Mais, no seu entender, os impostos usados para este fim, constituem uma lógica de trabalho forçado uma vez que ninguém consentiu em “ajudar os outros” e, portanto, deve ser considerada uma coerção indevida do Estado ao cidadão. Neste sentido de não interferência do Estado, seria considerado imoral, o Sistema Nacional de Saúde, a segurança social, a educação pública e outras iniciativas pagas com os nossos impostos.
Assim, neste sentido de “dono de si mesmo”, cada cidadão terá o direito: a não pagar impostos que sirvam a justiça redistributiva (SNS, escolas, pensões...), a não enviar os filhos para a escola, a não vacinar as crianças.
Mas enfim, terão o direito a: pedir para morrer.
Afinal, em que ficamos senhores deputados?
Ana Sofia Carvalho
Professora do Instituto de Bioética
Universidade Católica Portuguesa