21 fev, 2020
Quando nas minhas aulas de bioética quero ilustrar como, para mim, se debatem questões éticas uso, invariavelmente, o mesmo exemplo. Um dia numa viagem para Bruxelas encontrei um colega, agora amigo, que ia fazer avaliação ética de projetos que usavam (e por isso destruía) embriões humanos.
Durante conversa transmiti-lhe, de uma forma um pouco acalorada, como me é característica, o meu incómodo por viver numa Europa que tinha regras mais restritas para a investigação em animais do que para a investigação em embriões.
A semana passou e, por feliz coincidência, voltamos a viajar juntos. Importa, antes de continuar a história, informar os leitores que esse meu amigo não partilhava comigo a mesma posição em relação ao respeito pela vida humana embrionária.
Como dizia, na viagem de regresso esse meu amigo diz-me, com uma alegria genuína, que, tal como eu tinha sugerido, tinha conseguido usar os mesmos critérios dos animais, os 3Rs (redução do número ao máximo possível, refinamento das técnicas evitando situações de dor e sofrimento) e o terceiro R (replacement) substituição dos animais/embriões por outras soluções menos controversas.
Confesso que não escondi o meu espanto. Então tu que consideras que o embrião não merece respeito nas suas fases iniciais de desenvolvimento empenhaste-te para garantir, pelo menos, algum respeito? Ao que ele me respondeu: “não foi por considerar que o embrião merece respeito mas, pelo contrário, tu e as pessoas que pensam como tu têm que ser respeitadas!”
Penso que esta tristeza que a todos nos assola no “day after” é exatamente por esse motivo; não sentimos que tenhamos sido respeitados.
De facto, todo o processo é imbuído numa falta de respeito por quem pensa diferente desde o início: porque é indigno e prejudicial para a imagem da Assembleia tomar decisões em tão grave matéria menos de dois anos após a Assembleia da República ter rejeitado análogas propostas legislativas.
Porque quando escolhemos o partido em quem vamos votar e a lista de deputados à Assembleia da República não estamos, certamente, a antecipar que os deputados nos representem com a sua consciência individual, principalmente, em questões tão sensíveis e difíceis como as relacionadas com a ética no final da vida.
Porque os dois maiores partidos com representação parlamentar foram, durante a campanha eleitoral, completamente omissos em relação a este tema, e o partido mais votado apresentar agora um projecto de despenalização, sem mandato popular expresso para tal.
Justificam que nestas matérias dão liberdade de voto, deixando à consciência individual de cada um dos seus deputados, ignorando e desprezando, os valores essenciais de muitos e, portanto, a consciência de todos e cada um dos seus eleitores.
Porque quando escolhemos o partido em quem vamos votar e a lista de deputados à Assembleia da República não estamos, certamente, a antecipar que os deputados nos representem com a sua consciência individual, principalmente, em questões tão sensíveis e difíceis como as relacionadas com a ética no final da vida.
Porque, como tão bem sublinhava João Lobo Antunes: “não gosto dos políticos que mancham o serviço público… por não terem liberdade intelectual para reconhecer a bondade de opiniões opostas.”
Ana Sofia Carvalho
Professora do Instituto de Bioética
Universidade Católica Portuguesa