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Ana Sofia Carvalho
Opinião de Ana Sofia Carvalho
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Os labirintos da ciência: a vacina para a Covid-19

31 jul, 2020 • Opinião de Ana Sofia Carvalho


Além do desafio do tempo existem outros desafios que, eventualmente, poderão ser mais difíceis de ultrapassar na busca por uma vacina para a Covid-19.

A vacina da Covid-19 desperta em nós sentimentos contraditórios. Ou seja, se por um lado, com os dados hoje disponíveis, sabemos que sem ela não é possível um regresso ao “normal” (não coloco novo nem antigo; a incerteza é tanta e a tantos níveis que classificar o “normal” é hoje um golpe arriscado), por outro, a nossa perceção do tempo está de tal forma desregulada que nos é difícil distinguir o que é o tempo ficcional do tempo real.

Claro que os dados relacionados com o desenvolvimento de uma vacina não são, por certo, muito reconfortantes, ou seja o “antigo normal” indicava; 10-15 anos (em média) entre a investigação e a comercialização, taxa de sucesso de aproximadamente 10% e custos de cerca de 1 bilião de euros. O “novo normal” impõe aos investigadores que alterem o intervalo de tempo de 10-15 anos para 12-18 meses…

Mas, apesar do esforço colaborativo internacional e dos milhões que estão a ser investidos nesta área de investigação/tratamento/produção, estabelecer um prazo tão exíguo e tão desproporcionado relativamente ao “normal” é um desafio colossal. É muito atrevido impor um prazo destes à ciência

Além do desafio do tempo existem outros desafios que, eventualmente, poderão ser mais difíceis de ultrapassar; ou seja, a vacina terá que passar (1) os testes da qualidade (ser eficaz e segura), (2) da quantidade (ser passível de produzir em grande escala) e, além disso (3) ter custos aceitáveis de modo a permitir o seu acesso de forma equitativa e justa.

Corrida à vacina para a Covid-19. Mais duas candidatas na fase final de testes
Corrida à vacina para a Covid-19. Mais duas candidatas na fase final de testes

Qualquer um destes três desafios tem complexidades incomensuráveis.

Segundo os dados mais recentes, actualmente estão a decorrer 164 projectos de investigação, tendo 25 já passado à fase clínica, mas apenas cinco chegaram já à fase 3. Ou seja, para chegar a uma vacina com as características anteriormente elencadas, os investigadores necessitam de cumprir um conjunto de fases organizadas essencialmente em três blocos (A) Investigação; (B) Clínica e (C) produção e distribuição. É neste processo -- que, como irão ver a seguir, é extremamente complexo -- que temos de encurtar o limite temporal de 5-10 anos para 12-18 meses…

O primeiro bloco inclui duas fases distintas e sequenciais; primeiro há uma fase exploratória, com investigação de bancada (laboratório) e a fase pré-clínica, em que ocorre o estudo do efeito da vacina em modelos animais (p.e. ratinhos e primatas (não humanos)). Após resultados cientificamente seguros neste primeiro bloco é que se pode avançar para a fase clínica onde se testará o efeito da vacina em seres humanos através de diferentes ensaios clínicos. A fase clínica está dividida em três fases:

  1. avaliação preliminar com poucos voluntários adultos e saudáveis (em alguns estudos têm sido recrutados jovens saudáveis com cerca de 20 anos por serem considerados aqueles que sendo capazes de dar o seu consentimento livre e informado estão menos sujeitos aos riscos da doença) com monitorização e acompanhamento rigoroso;
  2. testes com um maior número de participantes que permitem obter informações sobre segurança, eficácia, dosagem e potenciais efeitos adversos. Normalmente nesta fase os participantes são de forma randomizada (aleatória) distribuídos por dois grupos: o grupo com a vacina a testar e um grupo controle (p.e com uma vacina “placebo”, ou seja, a injecção de uma substância sem qualquer potencial efeito terapêutico);
  3. ensaio em larga escala o mais representativo possível da população a abranger para validação cientificamente significativa da eficácia/segurança e dos potenciais efeitos adversos.

Após a conclusão com sucesso destas três fases, os resultados são apresentados às autoridades competentes (p.e. FDA - Food and Drug Administration nos EUA e EMA - European Medicines Agency na Europa) onde estes resultados são escrutinados no sentido de avaliar se existe robustez suficiente nos dados obtidos que permitam assegurar a eficácia e a segurança da vacina.

Se… e quando… isto der tudo certo teremos que entrar novamente num outro labirinto; como vamos garantir um acesso equitativo e universal à vacina. Vamos conseguir produzir 7 biliões de doses ou 14 biliões se forem necessárias 2 doses por pessoa? Se não, quem vamos priorizar na distribuição da vacina? Assuntos complexos a que voltaremos no próximo artigo…

Termino com uma “utilização abusiva” de uma frase de Einstein; “Triste época! É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito”. Tentemos também que esta não seja uma “Triste época!” em que será mais fácil controlar um vírus do que controlar a desigualdade entre os seres humanos.

Comentários
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  • Desabafo Assim
    01 ago, 2020 12:55
    A tentativa de atordoar, ao ponto de estar quase morto o poder do vírus, para desta forma poder desencadear uma resposta eficaz do organismo, está limitada a três meses, só por si implicaria vacinação quatro vezes ao ano de todo o universo populacional, somando a franja populacional, que pelas suas características imunológicas, não reagem á estimulação do organismo na produção dos anticorpos, muitas aliás, tenho casos concretos no meu presente imediato com as tais “novas”(no lote) vacinas da gripe foram sempre ineficazes, ficamos impotentes face a esta nova epidemia que se compara abusivamente com a gripe. Mas depositam nelas a esperança de poder reconstruir, ou não deixar afundar, o aparelho produtivo…, o frasquinho não tem mais de que uma mistela com rótulo científico, experiências… pode resultar, não está comprovado nem aferidas as consequências. Pode dar mal, pois as substâncias a que estão submetidas as cargas virulentas podem afetar o funcionamento do próprio organismo, mas é em nome do bem comum. Não quero dar ideia de que o trabalho desenvolvido até então no campo da imunologia é falso, pelo contrário, tem provas dadas e são essas mesmas provas que hoje são usadas para enganar sobre a eficácia destes projetos que se propõe experimentar nas populações. Não compreendo como se pode divulgar o nome de uma nova vacina, nos meios de comunicação, sem alertar para o facto de não passar de um “projeto” de nova vacina, todos sabem o relembrado no artigo…que se passa?