16 ago, 2020
O confluir de um vírus idadista e se uma sociedade idadista deu nisto… No início do mês, numa das habituais (mas não normais) conferências de imprensa, a Senhora Ministra Marta Temido afirmava: “Os óbitos acumulados por Covid-19 em lares [são] 628 dos 1.646 que hoje estão registados no boletim [epidemiológico diário]".
Surpreendentemente, este sábado, a Senhora Ministra Ana Mendes Godinho “diz não ter lido o relatório da Ordem dos Médicos sobre o surto de Covid-19 no lar de Reguengos de Monsaraz”.
Tal como referi num outro artigo, “as investigações sobre preconceito e discriminação baseados na idade demonstram que este tipo de descriminação está surpreendentemente difundido e, ao contrário de outros “ismos” (racismo, machismo, feminismo, “animalismo”), em que tantos se empenham”, este “ismo” existe numa bolha que, de facto parece que a ninguém interessa.
De facto, é estranho como somos tão tímidos relativamente a este assunto! Comprometemo-nos, e bem, na onda antirracista que invadiu o mundo através do movimento “Black Lives Matter” (BLM)… enfurecemo-nos, com toda a razão, pelo inenarrável fim que tiveram os pobres animais de um canil no norte do país…e ficamos apáticos e silenciosos perante esta hecatombe.
Também a comunicação social parece seguir a mesma tendência. A cronologia de algumas iniciativas fala por si:
10 de julho – em entrevista à TSF, Manuel Carrageta (o presidente da) Sociedade Portuguesa de Geriatria e Gerontologia) considera que a estratégia de combate à Covid-19 foi errada desde o início da pandemia e que vão continuar a surgir novos surtos nos lares. A prioridade do Governo foi ter ventiladores e camas de cuidados intensivos disponíveis, e não se investiu "nada" nos lares”. Quem fez manchete deste aviso, além da TSF, somente um canal televisivo e sem grande destaque;
15 de julho – na sequência de várias denúncias da Ordem dos Médicos relativas ao ocorrido no lar de Reguengos, “Luís Menezes Leitão solicitou à Comissão de Direitos Humanos da Ordem que procedesse à averiguação das situações ocorridas nos lares portugueses” no sentido de “defender o Estado de Direito e os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e colaborar na administração da justiça”. Notícia Renascença, acompanhada de mais outros 5 meios de comunicação social.
É muito difícil sentir o outro como um eu; mais… quando esses outros se encontram “sozinhos…, enfrentando a solidão do anoitecer das suas vidas”.
Por esse motivo, resolvi, antes de escrever esta crónica, mergulhar novamente na vida de um lar através da pena de Virgílio Ferreira em “Em nome da terra”. De facto, acredito que deveria ser leitura obrigatória para todos os responsáveis pelo desenvolvimento de políticas públicas para a área da Covid. Por um lado, desprotegidos por falta de medidas, por outro, desprotegidos pelas medidas implementadas…
Tal como Virgílio Ferreira sublinha, “era tudo gente aposentada de ser gente, vivia numa zona intermédia de uma cor de morte mas por empréstimo”.
Desta vez, a cor de morte chegou a cerca de 40% dos nossos idosos institucionalizados e os números dos que ficaram “aposentados de ser gente” serão certamente superiores!!
No mesmo sentido, um estudo da London School of Economics indica que em Itália, França, Irlanda, Espanha e Bélgica entre 42 e 57% dos mortos foram entre idosos institucionalizados em lares… Que triste anoitecer…
“ELDERLY LIVES ALSO MATTER”