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Avenida da Liberdade
Um podcast Renascença para assinalar os 50 anos do 25 de abril de 1974. Nesta terceira série, juntamos quem nasceu antes da Revolução e viveu em ditadura, e quem cresceu em democracia. Cruzamos os olhares de duas gerações para o que fomos, o que somos e o que queremos ser. Avenida da Liberdade é um podcast da jornalista Maria João Costa com sonorização de André Peralta.
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Filha de Marcello Caetano: "O meu pai não era um democrata"

Avenida da Liberdade

Filha de Marcello Caetano: "O meu pai não era um democrata"

30 mar, 2023 • Maria João Costa


Aos 85 anos, Ana Maria Caetano percorre as memórias do período antes da Revolução dos Cravos. Ao podcast Avenida da Liberdade recorda os dias em que era acompanhada pela PIDE devido a uma ameaça de rapto, o que se seguiu ao 25 de Abril de 1974, mas também o momento em que o seu pai teve de ir para o exílio.

É em casa que nos recebe. Ao fundo está o retrato que a pintora Maluda fez do seu pai, o então presidente do conselho, Marcello Caetano. Aos 85 anos, Ana Maria Caetano faz uma viagem no tempo. Rodeada de fotografias ao lado do pai, conta como viveu o antes e o depois do 25 de Abril de 1974.

Na madrugada em que os militares saíram à rua, o telefone tocou cedo em casa de Marcello Caetano. Do outro lado do auscultador, estava Ana Maria Caetano. “Era eu que tinha a central à noite, e tocou o telefone para chamar o meu pai. Fui à procura dele e não o encontrei”, lembra a filha do sucessor de Salazar ao podcast Avenida da Liberdade, da Renascença.

Percorreu a casa e encontrou no seu escritório o livro que Marcello Caetano estava a ler. “Tinha deixado um livro aberto sobre o comunismo”, recorda Ana Maria Caetano, que remata: “É engraçado. Era o que ele estava a ler, ou reler” naquela madrugada da Revolução.

O “dia inicial e limpo”, como lhe chamou a poeta Sophia de Mello Breyner, foi de sobressalto na família. Os irmãos foram ao encontro de Ana Maria Caetano na casa de Alvalade e acompanharam os acontecimentos “pela telefonia, como então se dizia” e pela televisão.

Ana Maria Caetano só voltou a falar com o pai horas depois. “Quando na televisão disseram que as coisas estavam acabadas, que o golpe estava acabado, tivemos licença para falar para ele. Eram para aí umas 15h00 e ele perguntou: 'o que se diz por aí?'”, lembra a filha de Caetano. “Já estão acabadas as coisas”, respondeu Ana Maria ao pai, antes deste ir preso para o Quartel da Pontinha.

Os tempos que se seguiram foram de exílio. Primeiro, Marcello Caetano rumou ao Funchal, na Madeira, e depois, por opção, para o Brasil onde regressou à vida académica e onde acabou os seus dias.

As visitas de Caetano a Salazar

Questionada sobre o que levou Marcello Caetano a assumir o lugar para o qual foi indigitado por Américo Tomás, Ana Maria Caetano fala em “missão”. Dos anos em que liderou o país, a filha de Caetano recorda uma “história muito complicada” que envolve as visitas que o pai manteve a Oliveira Salazar.

“Ele ia visitar fazendo de conta que ele ainda era presidente do conselho. É uma história muito difícil de perceber. Tinha de ser, porque o Salazar estava impedido mesmo. Mas não era uma história fácil”, desabafa a filha agora com a distância histórica daqueles momentos.

Nas suas memórias ficaram outros momentos marcantes. Depois da morte da sua mãe, Ana Maria Caetano acompanhava o pai em muitas cerimónias oficiais. Foi com ele a Londres, numa viagem oficial.

À chegada foram confrontados com a contestação popular, por causa do massacre de Wiriyamu. “Foi um momento difícil”, recorda. “A gente saiu do avião e já estavam os cartazes a dizer que nós eramos mal vindos. Foi muito doloroso”.

Sobre o massacre de Wiriyamu, Ana Maria Caetano “considero-o uma história de guerra como há em muitos sítios quando há guerra”, mas a filha de Marcello Caetano lembra que o que a incomodava, a si e à sua geração, era a guerra em África.

“Era uma coisa que eu perguntava muito ao meu pai, e porque é que não havia liberdade de imprensa. Ele dizia que era porque não se podia pôr em causa os rapazes que iam para a guerra.”

A Primavera Marcelista

Do pai, Ana Maria Caetano recorda um homem de família que vinha sempre almoçar a casa, mesmo em tempos de muito trabalho. Lembra também as conversas francas que mantinha com ele, com quem conversava sobre tudo.

A Ana Maria Caetano perguntamos se a Primavera Marcelista poderia ter chegado ao Verão da democracia. A resposta foi categórica: “Eu acho sempre que não, porque o meu pai não era democrata. Inventar que ele podia chegar à democracia, não podia, não chegava lá. Ele não era democrata”, sublinha.

"Isto não é uma democracia, é uma 'roubocracia'”

Ana Maria Caetano estudou terapia da fala. Viveu a sua vida profissional ligada ao ensino. Dirigiu um colégio e recorda como depois do 25 de Abril, surpreendentemente não foi saneada.

Questionada sobre o atual estado do ensino em Portugal, Ana Maria Caetano considera que “o ensino é bom”, o problema são as condições que os professores têm. Já sobre o que falta cumprir de Abril, a filha de Marcello Caetano considera que “ficou por cumprir a democracia”.

Na sua opinião, “já nos esquecemos do que era a democracia. Não sei o que é que existe. Mas isto não é uma democracia, é uma “roubocracia”. É uma pouca-vergonha!”, remata.

Comentários
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  • ze
    30 mar, 2023 aldeia 13:35
    Na sua opinião, “já nos esquecemos do que era a democracia. Não sei o que é que existe. Mas isto não é uma democracia, é uma “roubocracia”. É uma pouca-vergonha!”, remata.Está tudo dito com todas as letras,só não reconhece quem não tem inteligência para tal.e a p´ropria media não faz nada para mudar as coisas ou pelo menos ser imparcial e contar as verdades.
  • EU
    30 mar, 2023 PORTUGAL 11:55
    Há tanto tempo e tantas vezes EU já disse aqui RR que o ESPÍRITO do 25 de Abril NUNCA foi cumprido. Mas se vivemos numa " ROUBOCRACIA ", EU acrescento, nós vivemos num REGIME de ESMOLAS e quando assim é os regimes perpetuam-se