20 abr, 2023 • Maria João Costa
Acorda antes do sol nascer para ler as notícias do mundo e mandar as que acha mais relevantes aos seus 21 netos e 6 filhos. Aos 86 anos, José Roquette é um homem preocupado com o presente e em particular com a política portuguesa. Em entrevista ao podcast Avenida da Liberdade, o empresário diz que lhe “dói” ver que “Portugal não é considerado uma democracia de primeira linha”.
A partir da Herdade do Esporão, em Reguengos de Monsaraz, onde vive, José Roquette mostra-se um homem atento ao que se passa. “Há dois anos, Portugal, a República Checa, a Hungria e a Eslováquia foram retirados da lista das democracias inclusivas”, diz. No seu entender, Portugal precisa “de uma liderança que motive as pessoas”.
“Motivar significa mostrar que vale a pena apostar num país e num ambiente que seja politicamente mais saudável do que aquele que temos hoje”, sublinha o empresário que diz, “o mais difícil é encontrar talento”, nos dias que correm em Portugal onde existe, na sua opinião “uma porta giratória” entre os partidos políticos.
Questionado pela Renascença sobre as atuais políticas de ambiente, um dos seus focos de preocupação, Roquette critica “os horizontes relacionados com os períodos eleitorais” que essas mesmas políticas têm.
“A estratégia a médio e longo prazo é uma coisa que não aparece em lado nenhum e a par disso as alterações climáticas e o ambiente passaram para terceiro ou quarto lugar, por causa da guerra, da inflação e da globalização. É a incapacidade de fazer projeções para além do período eleitoral”, conclui José Roquette.
Fundador da Sedes, a mais antiga associação cívica portuguesa que elege o combate à abstenção como um desígnio, José Roquette recorda no podcast Avenida da Liberdade os tempos da ditadura.
Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia do Porto cedo começou a trabalhar na banca, primeiro no Porto, depois em Lisboa. Foi na capital que assinou o Manifesto dos 101 católicos em 1965, ao lado de nomes como João Benárd da Costa, Sophia de Mello Breyner ou Pedro Tamen.
Depois da Revolução de 25 de Abril de 1974 que, admite, não o surpreendeu, no Banco Espírito Santo onde trabalhava teve de lidar com as comissões de trabalhadores. Na altura recorda: “Havia claramente, um peso do Partido Comunista na gestão política do país e eles queriam nacionalizar a banca e eu era um obstáculo”.
Foi então preso. Nessa primeira vez em que foi com outros administradores detido para a Prisão de Caxias, José Roquette lembra-se que “não havia mandado nenhum”. Acabou por ser libertado “três a quatro dias depois” por “uma instrução direta do Almirante Rosa Coutinho”.
Acabou preso uma segunda vez. Dessa vez, bateram-lhe à porta a meio da madrugada. “Só estava eu e a minha mulher. Entraram por ali adentro os tipos da Marinha a perguntar onde estavam as armas. Havia uns com umas pistolas apontadas. Dessa vez já tinham um mandado de captura. Era daqueles que o Otelo Saraiva de Carvalho assinava em branco. Eles tinham posto lá ‘suspeito de pertencer a um bando de malfeitores’”.
Depois de preso durante 3 a 4 meses, José Roquette repensou a sua vida. Foi primeiro para Londres. Era então já um dos acionistas do Banco Espírito Santo. E seguiu um ano depois para o Brasil, onde se estava a reconstruir o banco que em Portugal tinha sido nacionalizado.
Hoje com dupla nacionalidade, portuguesa e brasileira, José Roquette guarda boas memórias dos anos em que viveu do outro lado do Atlântico depois da Revolução dos Cravos e do 25 de novembro de 1975.
Ao podcast Avenida da Liberdade o empresário do Esporão recorda os dias no Rio de Janeiro e o papel essencial que teve o radialista Artur Agostinho na implantação do Banco Espírito Santo no Brasil.
“O presidente do Brasil tinha concedido ao Grupo Espírito Santo a carta de um banco de investimentos. É preciso perceber que as instituições financeiras não se fazem do dia para a noite. Um dos mais importantes elementos de impacto na comunidade portuguesa no Rio de Janeiro foi o Artur Agostinho. Foi um dos elementos mais dinamizadores do bom funcionamento e daquilo que permitiu salvaguardar a marca Espírito Santo”, recorda Roquette.
Desse tempo o antigo banqueiro lembra também outras figuras exiladas no Brasil com quem se cruzou e uma delas foi Marcello Caetano. “Eu tinha uma relação pessoal com um dos filhos do professor Marcello Caetano, o João. E quando o João lá ia, eu, convida sempre o professor Marcello Caetano para jantar”.
Questionado sobre como era o sucessor de Salazar, no exílio, José Roquette admite que Marcello Caetano não era um homem amargurado. “Não era uma pessoa que analisasse o que lhe tinha acontecido. Tinha-se ajustado à vida brasileira de tal maneira que pedia sempre para o jantar ser a tempo, porque ele não perdia a novela das oito!”, recorda a rir José Roquette.
Foi a partir do Brasil que José Roquette, entre cartas e telefonemas para Joaquim Bandeira, então seu sócio na Finagra, que o empresário tratou da “desnacionalização” das terras, como lhe chama. É que, segundo as suas palavras, em 1974, “o Esporão não foi ocupado, o Esporão foi nacionalizado por decreto”.
Já tinham, antes da Revolução, começado a plantar vinha nos terrenos do Alentejo quando Roquette foi preso. Recorda que na altura “foi uma tragédia”. “Os tratores de valores extraordinários desapareceram todos. Foram abrir campos de futebol!” lamenta Roquette.
Depois daí até recuperar as terras foi “o caminho das pedras” com as indemnizações conta o empresário. Foi com António Barreto, como ministro da Agricultura que o Esporão voltou para as mãos de privados. O processo só acabou em 1979, explica o empresário que hoje olha para a Herdade como o seu tesouro.
O Esporão está este ano a celebrar 50 anos de vida. Além de vinho tinto e branco, produz também azeite. No podcast José Roquette recorda uma parte da historia de como tudo começou.
Ao longo de toda a conversa com o podcast Avenida da Liberdade, José Roquette vai falando várias vezes do Banco Espírito Santo onde começou a sua carreira profissional e onde esteve envolvido também como acionista.
Com os sócios fundadores do banco lembra que aprendeu. “A cultura no Banco Espírito Santo era sobretudo a preocupação com o dinheiro dos outros. O que queria dizer que por cada conto de reis, mil escudos naquela altura que se emprestava, só cem escudos é que era dinheiro nosso. O resto era dinheiro de pessoas que tinham uma relação de confiança com o banco”.
Fazendo um paralelo com os dias de hoje, José Roquette diz que “o que aconteceu agora no Banco Espírito Santo, esta questão estrutural, não foi tida em linha de conta. Os depósitos das pessoas, das empresas e também as suas poupanças são usados para fazer investimentos e portanto, basta uma pequena convulsão para pôr isso em causa”, lamenta o empresário.