29 abr, 2018
Porque é que não aparecem novos partidos a pressionar mudanças de regime? Porque não surge um ‘Ciudadanos’ luso? A resposta é muito simples, garante Nuno Garoupa: “Portugal tem a legislação mais difícil para permitir novos partidos e os deputados acabaram de aprovar uma legislação para dificultar ainda mais, mais e mais”, afirma o economista no Conversas Cruzadas deste domingo.
“O ‘cartel’ que está na Assembleia da República legisla frequentemente para evitar o surgimento desses novos partidos. Assim é normal que em Portugal não surjam novos partidos”, diz o professor da Universidade do Texas A&M school of law numa emissão que debateu o silêncio do universo político à volta da ‘operação Marquês’ e do caso Manuel Pinho e o surgimento de novos partidos como o Ciudadanos, em Espanha, a ultrapassar já nas sondagens PP e PSOE, afundados num histórico assustador de casos de corrupção.
“O comboio já passou. O problema é que os partidos já não têm capacidade de fazer acto de contrição e regeneração que convença o eleitorado abstencionista. É preciso não esquecer e insisto sempre neste número: os cinco maiores partidos na AR representam hoje menos 800 mil votos que há vinte anos. Há 800 mil pessoas que deixaram de votar nestes cinco partidos. Essas 800 mil pessoas já não voltam a votar nestes partidos”, diz Nuno Garoupa.
“Na verdade, os partidos estão já na posição defensiva de que qualquer coisa que se possa fazer no sentido da regeneração os prejudica. Nós já saímos dessa estação e já vamos a caminho da próxima que é aquilo que o presidente da república antecipou no discurso do 25 de Abril o surgimento de um movimento populista. O surgimento de uma alternativa qualquer a estes partidos que vai criar um terramoto político na próxima década”, alerta o economista.
“Há ainda outro problema: o acesso à comunicação social. Eu não conheço nenhum outro país em que 90% do comentário em antena aberta é feito por políticos. Qualquer partido novo vai ser arrasado - e é sistematicamente arrasado - por comentadores que são eles próprios parte do sistema incumbente e do cartel. Isto está em loop. Não vejo muito como se consegue sair daqui quando todo o sistema está fechado e quando há a mais pequena ameaça o sistema fecha-se ainda mais”, diz Nuno Garoupa, um dos mais prestigiados académicos europeus a investigar a relação entre o direito e a economia.
“Estamos aqui a discutir o Partido Socialista e os casos José Sócrates e Manuel Pinho porque são os que têm estado nas últimas semanas no espaço mediático. Até hoje não ouvi o PSD e o CDS pronunciarem-se sobre os submarinos e o facto de haver pessoas na Alemanha a cumprir penas de prisão por corromper e em Portugal os processos estarem arquivados. Não ouvi o PSD jamais tecer críticas fortes aos negócios de Dias Loureiro”, prossegue o professor da Universidade do Texas, A&M school of law.
“Não ouvi a dupla PSD/CDS comentar o facto do seu último governo ter já duas pessoas arguidas - uma já em julgamento, Miguel Macedo, a outra provavelmente também será julgada no caso GPS - em casos de corrupção a envolver directamente personalidades do governo anterior. PSD e CDS utilizaram exactamente o mesmo argumento do PS “são os tempos da justiça" o "comentaremos quando acabar" o "à justiça o que é da justiça", é a crítica endossada por Nuno Garoupa ao espectro político do centro-direita.
Nuno Garoupa: “Ninguém leva 20 anos para julgar a corrupção”
“Usando o critério que a classe política e o país em geral adoptou – ‘o só há corruptos depois de sentença transitada em julgado’ - esta discussão que vamos ter aqui no programa – tecnicamente - só se poderia ter daqui a 10 ou 15 anos”, prossegue o professor da Universidade do Texas.
“Esse é um, dos problemas fundamentais do disparate a que o país assistiu nos últimos 10 anos: tentar impor um critério com um conteúdo temporal totalmente desfasado da realidade, porque o país não pode esperar 15 anos para ir discutir o que as pessoas fizeram há 20 ou 15 anos atrás que é o tempo que leva desde o momento em que as investigações são públicas até uma eventual condenação transitada em julgado”, faz notar.
“É preciso lembrar que o caso mais grave atinge um ex-primeiro ministro que está a ser investigado há cerca de sete anos - já esteve em prisão preventiva - e o julgamento ainda nem começou. Portanto estamos a falar de um caso que a ter sentença condenatória transitada em julgado estará concluído lá para 2025-2027”, alerta Nuno Garoupa.
“Isso leva-nos à segunda questão: a regulação da classe política falhou porque não é possível que um sistema de justiça leve quinze, vinte anos para julgar e condenar os cidadãos. Aqui devo confessar já não ter paciência para ouvir argumentos de que não somos tão diferentes de outros países. Não, nós somos diferentes”, certifica o economista.
“Não conheço nenhum país na União Europeia, um único, que leve 15 e 20 anos para fazer este tipo de julgamentos. Comparo com Itália, Grécia, Espanha, estados bálticos, países que têm exactamente o mesmo ordenamento jurídico e os mesmos recursos. Ninguém leva 20 anos para fazer estes julgamentos”, garante Nuno Garoupa.
Nuno Botelho: “Ninguém viu nada? Ninguém notou nada?”
No plano politico mais de três anos depois de eclodir judicialmente o caso Sócrates a maioria dos políticos portugueses continua a não emitir qualquer opinião no espaço público. O PS opta pelo silêncio à volta da alegada corrupção do ex-líder, depois das indicações enviadas em 2014 de António Costa, por sms, para os militantes do partido se absterem de comentar o processo judicial em curso. Desconhece-se se a indicação se mantém ainda válida, mas o pedido do secretário-geral parece bem interiorizado nos socialistas com uma notória excepção: Ana Gomes. A antiga diplomata sugeriu que o PS se demarque do comportamento de Sócrates e Pinho. Mas o silêncio do universo socialista é extensivo aos outros partidos que fazem deste caso um verdadeiro tabu.
“Todos os partidos que estão representados na AR demitiram-se de emitir opinião sobre estes factos. Quando temos um líder da oposição como Rui Rio eleito sob a capa do banho de ética que ia projectar na política nacional e até hoje não produziu uma única declaração sobre o tema. Uma declaração contundente a demonstrar intenção de reformar, regenerar e reorganizar o sistema político”, indica Nuno Botelho no Conversas Cruzadas.
“E quando temos um PS e um governo em que, assim de imediato, conto sete ou oito que eram ministros de Sócrates e estavam sentados, na altura, com Manuel Pinho no Conselho de Ministros, e, hoje, estão sentados com António Costa que, à época, também lá estava. E nenhum deles reparou em nada, viu nada, notou nada, nenhum deles achou nada estranho e continuam todos a dizer que 'à justiça o que é da justiça'.
“Pura e simplesmente demitiram-se de dar qualquer opinião e deixam a justiça correr. Sabemos que a justiça em Portugal não corre. Como tem dito o Nuno Garoupa a justiça não funciona em prazos razoáveis. Já nenhum de nós tem dúvidas de que algo de estranho e de grave se passou. Manuel Pinho, José Sócrates e outros de que ainda vamos, de certeza, ouvir falar”, prossegue Nuno Botelho.
“Ninguém notou nada? Ninguém viu nada? É esse grito de alerta que Ana Gomes de forma corajosa vem dar. Discordei dela muitas vezes, mas reconheço-lhe uma enorme coragem para, na altura certa, colocar o dedo na ferida e perguntar: vai o PS discutir esta questão da corrupção no Congresso? Desde já aposto que não vai. O Congresso vai passar ao lado. Porque o assunto é incómodo”, complementa o jurista e empresário.
“O Nuno Garoupa não tem paciência para alguns argumentos e eu já não tenho para esta hipocrisia de passar ao lado de tudo e de se deixar em claro estas questões”, remata Nuno Botelho, presidente da influente Associação Comercial do Porto.
De regresso à opinião de Nuno Garoupa, nesta emissão a partir de Austin no Texas, a responsabilizar os eleitores, incapazes de – pelo voto - pressionar os partidos à depuração, pelas insuficiências do regime. “Acho que Ana Gomes se refere à segunda coisa que também falhou: a auto-regulação. Quando falha a regulação podia não falhar a auto-regulação que é os partidos estarem organizados de tal forma que expulsam e eliminam os suspeitos de actividades de corrupção.
“O único fenómeno que houve em Portugal foi a liderança de Marques Mendes no PSD, mas quem acabou foi Luís Marques Mendes e não os visados, porque foram eleitos e reeleitos pelos eleitores. E é aí que quero chegar: o meu ponto é que, no fundo, a responsabilidade da situação de degradação a que chegamos é nossa. É dos eleitores”, avaliza Nuno Garoupa.
Luís Aguiar-Conraria: “a matéria conhecida chega para julgamento político”
“Não tenho paciência para coisas como a entrevista de Arons de Carvalho ao jornal i da última sexta-feira a falar sobre o caso Sócrates e a dizer que não via mal algum em que ele vivesse de empréstimos de amigos. Isto é mesmo alguém que não tem vergonha na cara e está a gozar com quem o está a ler”, diz, por seu turno, Luís Aguiar Conraria.
“Nuno Garoupa sublinhou o facto de só haver corruptos quando houver uma sentença transitada em julgado. Tudo bem, até dando de barato essa determinação legal, a matéria que é conhecida neste momento pela boca de José Sócrates e pelos seus advogados é suficiente para os cidadãos fazerem o julgamento político”, observa o professor de economia da Universidade do Minho.
“Não é razoável alguém (ndr. Arons de Carvalho) que já foi membro de um governo, já esteve na Entidade Reguladora da Comunicação Social e que é professor universitário, um regulador da comunicação social, vir dizer que não vê mal algum que um ex-primeiro-ministro viva de empréstimos de um seu amigo com quem o Estado se fartou de fazer negócios”, sustenta Luís Aguiar-Conraria.
“Mesmo que nada seja provado tudo o que já sabemos configura uma teia de interesses e influências que é perfeitamente inadmissível”.