30 dez, 2022 • Bernardino Soares
Em 2023 não quero que quem trabalha tenha um salário real cada vez menor. Não quero que mais pessoas deixem de conseguir assegurar o que é básico para uma vida digna: alimentação, saúde, habitação com condições, educação e também cultura e lazer.
Não quero e não admito que quem trabalhou toda uma vida enfrente o custo de vida com reformas de miséria, que não aumentaram o suficiente porque alguém mudou as regras a meio do jogo; não quero que a nossa gente mais velha tenha de escolher entre comprar medicamentos ou comida.
Não quero que que por causa de uma (errada) política monetarista fora de qualquer controlo democrático, as taxas de juro esmaguem a vida de quem não teve melhor hipótese para ter casa do que hipotecá-la ao banco, enquanto a especulação imobiliária aumenta preços e rendas como se a habitação fosse um mero ativo financeiro e não um bem essencial para concretizar um direito inalienável.
Em 2023 não quero que mais trabalhadores sejam despedidos e muito menos que o sejam com uma indemnização de 12 dias de salário por cada ano trabalhado (eram trinta antes da tróica e nunca mais voltaram a ser), enquanto alguns privilegiados recebem meio milhão de euros para sair de uma empresa pública e a seguir entrarem noutra, sem sequer um rebate de consciência. Não quero que continue a aumentar a precariedade laboral, que mantém precária a vida, a família e o futuro.
E também não quero que o meu país se afunde cada vez mais, acentue a sua dependência do exterior; não quero que se continue a investir pouco e a produzir muito menos do que precisamos; que nos submetam a regras de uma moeda que só serve a outros países e nos deixa ainda mais para trás. Não quero que por falta de respostas os jovens ponham como primeira hipótese emigrar e que Portugal seja um país que não é para novos.
Em 2023 não quero que a riqueza, como em todas as crises deste sistema em que vivemos, se concentre cada vez mais nas mãos dos principais grupos económicos. São os que aumentam os lucros inflacionando os preços, os que aumentam as margens à custa dos combustíveis que arruínam populações e pequenas empresas, os que engordam dividendos com cada vez mais comissões bancárias, todos a pagar menos impostos do que deviam, muito menos do que quem trabalha, apesar de se abotoarem com a maior parte da riqueza produzida.
Em 2023 não quero mais guerra, nem escalada armamentista, nem sacrifício dos povos para manter o poder dos impérios.
E já agora dispenso também mais trapalhadas no Governo PS. Dispenso gente que se comporta com tal sentimento de impunidade, que julga que nada lhe acontecerá, mesmo quando trata o Estado, os seus recursos e as suas instituições como se fossem o quintal da sua casa ou o porta moedas da sua carteira. Como isso encaixa no populismo oportunista dos que querem abafar o regime democrático avançando ao sabor da revolta popular. E como isso dá jeito a uma direita que pouco tem a acrescentar de diferente à política seguida, a não ser que, por eles, iriam ainda mais depressa no caminho de destruição de direitos e do desenvolvimento do país!
Mas não se esqueçam que não basta mudarem as caras. É preciso que mudem realmente as políticas. É que mesmo de cara lavada, nada apaga uma política que destrói o Serviço Nacional de Saúde, a Escola Pública, que privatiza o que é essencial em vez de o socializar, que fala em dignidade do trabalho quando mantém e acentua os instrumentos da exploração.
Se pensam que a poltrona da maioria absoluta vos dará conforto suficiente, logo verão que por este caminho rapidamente se tornará numa silha de madeira rija.
Em 2023 não quero nada disto que aqui está. Quero paz, melhores salários reformas e pensões, bons serviços públicos, habitação para todos; quero um país próspero e soberano, uma justa distribuição da riqueza.
Rejeito o individualismo que o neoliberalismo nos impinge como se a sociedade se fizesse da soma competitiva dos interesses individuais, o que convém aos mais poderosos para o serem ainda mais. Rejeito a resignação e o desespero de quem não vê saída ou a única que vê é de destruição e raiva.
Não vou ficar à espera. Será um ano de muitas lutas pela justiça, pelo sustento, pelos direitos, pela dignidade. E lá estarei, com muitos outros, de muitas origens e ideários, que também não querem ir sempre para pior e sabem que há alternativas.
Não desistimos de buscar outro caminho. Ele existe e é a esperança de um amanhã melhor, a começar a construir já em 2023. Essa esperança que nos anima, que nos dá força para exigir o futuro que é nosso, virá reforçada no próximo ano.
Vamos a isso!
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*Bernardino Soares, membro do Comité Central do PCP, escreveu para os leitores da Renascença uma antevisão do novo ano de 2023