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João César das Neves
Opinião de João César das Neves
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Opinião Católica-Lisbon

Estamos habituados

01 mai, 2023 • João César das Neves • Opinião de João César das Neves


O Programa de Estabilidade 2023-2027 confirma que, no horizonte previsível, vamos continuar o ritmo de crescimento fraco dos últimos 30 anos. A razão evidente está nos hábitos de país rico da sociedade portuguesa: baixos investimento e poupança com dívida alta. Aliás, a opinião pública e política anda dominada pelo esquartejar de benesses, sem pensar em produzir mais.

No passado dia 17 foi apresentado pelo senhor Ministro das Finanças o Programa de Estabilidade 2023-2027, que inclui as previsões para o resto da legislatura. Ficámos a saber que o próprio governo antecipa um crescimento médio anual de 1.9% nestes cinco anos, sem nenhum valor acima dos 2%. Parece evidente que vamos ter de nos habituar a esta dinâmica morna.

A bem dizer, só os mais distraídos não estão afeitos à situação, porque ele é a regra há muito tempo. É preciso ter memória longa para se recordar de coisa diferente; mas a regra antiga era coisa muito diferente. Dos 71 trimestres que decorreram de 1977 a 1994, um quarto deles (18) teve crescimento em cadeia relativamente ao trimestre anterior acima de 2%, dos quais 14 acima de 2.5%. Mas dos 112 trimestres que se verificaram desde 1995, só cinco estiveram acima de 2%, com três acima de 2.5%; e, como quatro dos cinco e todos os três aconteceram em 2020-2022, se eliminarmos o solavanco da pandemia, em 28 anos existiu apenas um trimestre solitário acima de 2%: os “gloriosos” 2.2% do início de 2000.

O que há de especial no ano de 1994? O primeiro elemento evidente é o 20º aniversário do 25 de Abril. Essa data é muito significativa por sinalizar a conclusão do estabelecimento da Terceira República. Após a Revolução o país esteve dez anos a solidificar a democracia, no meio de dramática transformação. Quando acabou, entrou na CEE em 1986, e começou mais um período intenso de profundas reformas estruturais. Em 1994, Portugal era um país serenamente democrático e assumidamente europeu. Começava a normalidade do novo regime.

Além disso, no mesmo ano de 1994 deu-se um outro acontecimento muito revelador: o Banco Mundial introduziu a nossa economia no grupo de “high income” (rendimento alto), a classificação mais elevada da tabela. A partir desse ano somos oficialmente um país rico. Foi então, como vimos, que começou a nossa estagnação económica. Estagnação que, apesar das retóricas animadas de sucessivos governos, e já houve doze desde então, sentimos na ultrapassagem em nível de vida que sofremos dos nossos parceiros. Foram cinco que nos passaram à frente desde 1994, com agora mais três a ameaçar, Hungria, Polónia e Roménia, pelo que só ficarão a faltar cinco: Croácia, Letónia, Eslováquia, Grécia e Bulgária. Os números do senhor Ministro das Finanças até 2027 confirmam que falta pouco para chegarmos ao fundo.

Por que razão não conseguimos crescer decentemente? Essa resposta é fácil de dar. Aquilo que é sempre difícil é explicar o crescimento; isso dá trabalho, custa esforço, exige dedicação. Não crescer é fácil, como falhar o alvo, perder um jogo ou chumbar o exame. Neste caso o motivo é evidente: desde 1994 assumimos a nova qualidade, adquirindo hábitos de rico. Alguns números mostram-no com toda a clareza.

A taxa de poupança das famílias em percentagem do rendimento disponível foi em 1994 de 14%. Esse valor era o mais baixo até então desde 1966, mas foi o mais alto em todos os anos até hoje; a taxa mais recente é 6%. Ou seja, costumávamos fazer aforro, mas desde que somos ricos deixámo-nos disso. O mesmo exercício com a taxa de investimento da economia portuguesa mostra um padrão semelhante, embora menos drástico. O valor de 1994, 23%, também é inferior a todos os níveis anteriores desde 1966, mas superior a todos após apenas 2005 (de 1996 a 2004 conseguimos estar nove anos acima do tem valor inicial). A taxa de 2022, que anda melhorzinha, foi só 20%.

Outro investimento que tem faltado, talvez mais importante que o produtivo, é nas novas gerações. Em 1994 o peso da população com menos de cinco anos era de 6% e caiu para 4% em 2021, enquanto o peso dos idosos acima dos 80 anos duplicava de 3% para 7%. Já temos mais muito velhos que muito novos. A população em idade de trabalhar, dos 15 aos 64, caiu de 67% para 63%.

Podemos olhar para outra dimensão, reencontrando o mesmo fenómeno. A dívida pública em percentagem do produto nacional foi de 60% em 1994, o valor mais alto desde 1920 (!!), com exceção de dois anos, 1987 e 1988; esse nível foi, no entanto, inferior ao registado em todos os anos seguintes exceto cinco, de 1997 a 2011. No programa que apresentou, o senhor Ministro das Finanças mostrou-se orgulhoso pelos excelentes resultados que espera precisamente aqui. Realmente, sobretudo graças à inflação, ele pretende reduzir dos 114% de 2022, mas ainda para 92% do produto em 2027, um terço acima do que devia ser.

O sinal mais evidente que a nova atitude é responsável da apatia está, porém, no tom dos debates nacionais, dos discursos políticos e em geral da opinião pública. Toda a atenção está no consumo, nos direitos, nas exigências, não no esforço, na responsabilidade, nos resultados a conseguir. Só se fala de crescimento para dizer que, afinal, até nem foi assim tão mau. E de facto a economia está a crescer, o que não é nada mau; é medíocre, mas não é mau.

Além disso, é bom não esquecer, somos um país rico. Em 1994 ainda se falava do “desafio europeu”, algo que hoje quase ninguém conhece. Para aqueles, poucos, que ainda exigem crescimento elevado, o que há a dizer é o que o senhor Primeiro-ministro disse na entrevista à Visão de 14 de dezembro: “Habituem-se!”


João César das Neves, Professor da Católica Lisbon School of Business & Economics

Este espaço de opinião é uma colaboração entre a Renascença e a Católica Lisbon School of Business and Economics

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