03 out, 2022 • Liliana Dinis
Uma família empresária procura, não só manter aquilo que já foi construído, como também criar constantemente algo que estenda o seu legado por novas direções.
As famílias que se identificam com esta lógica de criação de valor são chamadas de famílias generativas. Este conceito foi desenvolvido por Dennis T. Jaffe e tem por base a ideia de que não somos donos dos negócios familiares, apenas cuidamos deles para a próxima geração.
O modelo comum de crescimento de um negócio ou produto tem a forma de um “S” (deitado). No início verifica-se um forte crescimento que eventualmente culminará num período de estagnação e consequente declínio. Daí a “maldição” das três gerações das empresas familiares: “pai rico, filho nobre, neto pobre”.
Uma família generativa procura oportunidades para criar novas curvas “S” ou prolongar as existentes, entrando em novos mercados, criando novos produtos, novos investimentos e novos negócios.
A inovação e o empreendedorismo deixam de ser ferramentas exclusivas da geração fundadora e a cada nova geração, a família reinventa-se, melhorando e adaptando o seu portfólio às exigências do ambiente que os rodeia.
Para tal, é feito o refinamento dos membros da família que querem continuar empenhados na missão da família e compradas as ações daqueles que pretendem seguir uma nova direção.
Quando uma família empresária atinge o patamar onde o seu portfólio de investimentos é muito diverso e disperso, torna-se imperativo reavaliar e redefinir quem somos enquanto família, quais são os nossos valores, o que pretendemos fazer e como.
Esse processo de “voltar às raízes” leva a uma reflexão profunda que dará origem à criação de um conselho familiar cuja missão é supervisionar todas as atividades e garantir que a identidade da família está presente em todos os componentes do portfólio.
Para que uma família empresária se torne numa família generativa, terá de trabalhar o ciclo da resiliência, isto é, preparar e antecipar, empenhar-se e decidir e finalmente, redefinir e renovar-se.
Este é um trabalho muito difícil e pode ser muito duro do ponto de vista emocional, uma vez que é preciso mostrar a importância de mudar as pessoas que foram muito bem-sucedidas e que não vêm essa necessidade.
Adicionalmente, mesmo que compreendam a necessidade, é preciso decidir como vamos mudar, é preciso ouvir toda a gente, dar voz, fomentar a inclusão no processo de tomada de decisão.
A recompensa pode ser a salvação da família, uma vez que durante todo esse processo, as divergências e dificuldades são conversadas e resolvidas e a família sai mais forte e unida.
No início do século XX, os sanatórios eram refúgios para doentes com tuberculose, onde ficavam completamente isolados do resto da sociedade.
O Caramulo, pela sua localização, era indicado, dada a sua altitude e natureza, para a construção destes centros de saúde. Jerónimo de Lacerda, médico, cria nesta região, a maior estância sanatorial do país e da Península Ibérica, em 1921.
Após a II Guerra Mundial, chega o tratamento que consegue curar 95% dos pacientes e com essa descoberta, é anunciada a morte das estâncias sanatoriais. Este poderia ter sido o fim desta família, enquanto família empresária. Todavia, os filhos do Dr. Jerónimo de Lacerda, Abel e João, optam por uma vertente empreendedora, procurando formas alternativas de construir e expandir o seu legado familiar. Surge assim o projeto de retirar a conotação de doença ao Caramulo e converter este belo lugar numa atração cultural e artística.
É assim que surge o Museu do Caramulo, um edifício com os mais modernos conceitos de museologia, capaz de expor a coleção de arte constituída por mais de 500 peças de pintura, escultura, mobiliário, cerâmica e tapeçarias, que vão do antigo Egipto até Picasso.
Ao lado, surge o primeiro e mais importante Museu do Automóvel do país, vocacionado para expor 100 automóveis e motos. Mas estas não são as únicas iniciativas realizadas para tornar o Caramulo numa atração cultural. Caramulo Experience Center, Caramulo Motorfestival, Jornal dos Clássicos e Salão Motorclássico entre outras, compõem um portfólio diverso, mas autêntico.
O Museu do Caramulo aproveitou o tempo da pandemia para se remodelar e modernizar. Antecipando uma ameaça que impediria as pessoas de visitar o Museu, esta família optou por contra-atacar. O espaço de exposição foi revisto e expandido, a fachada principal foi recuperada e as condições de acessibilidade foram melhoradas.
Trabalhar o ciclo da resiliência permitiu a esta família generativa antecipar, agir e redefinir o seu caminho. O Museu fica no Caramulo, a 300 quilómetros de Lisboa, mas já foi visitado por mais de um milhão e meio de pessoas. Continua independente, fiel aos seus princípios que são os princípios da família que o gere, cuja identidade é o motor que alimenta toda a vida do Museu, provando assim que independentemente da dificuldade dos desafios com que nos deparamos ao longo do caminho, o que aprendemos com eles, torna-nos mais fortes e resilientes.
*Liliana Dinis é Professora na Católica Lisbon School of Business and Economics
Este espaço de opinião é uma colaboração entre a Renascença e a Católica Lisbon School of Business and Economics