16 jun, 2023 • Manuel Pereira, presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares
Completamente absorvidos pelo trabalho, em condições tão desgastantes ao longo deste ano letivo, vivemos agora o tempo dos rankings... No final de um ano letivo em que experimentamos a proximidade da perda de esperança de não ser humanamente possível fazer educação da maneira que gostaríamos. Num ano em que os profissionais de educação lutam insistentemente pela dignificação da sua carreira, voltamos a olhar para os desempenhos dos alunos em situação de exame.
Mais uma vez, este ano letivo, a educação é notícia! Com intensidade, durante um fim de semana! Ao longo do ano, foi notícia a perturbação causada pelas reivindicações dos docentes e a demora e falta de resposta para os problemas identificados. Agora é a vez do desempenho dos alunos nos exames no final do ano letivo anterior.
Falar de rankings é quase lugar-comum, para todos quantos estão mais ligados às questões da educação. De facto, é sempre um tema apetecível e estimulante, até porque permite a todos apresentar e defender as mais diversas opiniões, sempre fundadas em certezas provenientes de critérios, convicções e preconceitos construídos, todos eles válidos, mas quase sempre valorizando apenas uma parte, quase sempre a mais apetecível ou sensível do ponto de vista do comentador.
Estamos numa altura do ano em que as famílias começam a procurar alternativas para matricularem os seus filhos em escolas. A publicação dos rankings nesta altura do ano constitui um elemento de publicidade gratuita para muitos estabelecimentos de ensino. Todos sabemos isso e nem vale a pena escamotear essa realidade. Obviamente acontece com algumas escolas públicas, mas maioritariamente com as escolas privadas que claramente veem na publicação anual dos rankings um upgrade à sua valorização.
Os rankings colocam sempre as escolas, públicas e privadas, em comparação e, desde logo, tentam comparar os resultados independentemente da sua diversidade, seja ela nacional, regional, física ou humana. Mesmo com a atual metodologia de “controlo” de alguns fatores fundamentais como a ponderação socioeconómica do perfil social dos alunos, sabemos que isso não é suficiente para que a comparação entre as escolas não seja uma injustiça, na medida em que se tenta comparar o incomparável.
Que informações nos dão os rankings? Traduzem a qualidade dos projetos educativos, da formação integral dos alunos e da oferta/diversidade de atividades que oferecem?
Que escola se pretende nos dias de hoje? Uma escola que promova o desenvolvimento de competências que vão ao encontro dos valores e princípios estabelecidos no perfil dos alunos à saída da escolaridade obrigatória? Ou uma escola cujo enfoque máximo e o principal objetivo, no caso do ensino secundário, é preparar os alunos para um excelente desempenho nos exames nacionais?
“A realidade é muito mais complexa do que supõe uma simples classificação de escolas por notas em exames nacionais.” Mesmo assim, não deixamos de referir que, independentemente das opiniões diversas, cada escola olha para essa listagem ordenada como um instrumento de trabalho importante, tentando sempre perceber claramente a sua posição e as razões de possíveis alterações.
De facto, uma boa parte da polémica à volta dos rankings passa por aqui, até porque o seu espírito está nos antípodas do que é a filosofia subjacente ao perfil do aluno à saída do secundário e dão uma imagem redutora das escolas, atendendo apenas aos resultados dos exames e não a projetos educativos que, em muitos casos são de excelência, mesmo comparados com os privados. Por outro lado, a escola pública é inclusiva, dá resposta a imperativos constitucionais fundamentais como a obrigatoriedade e a equidade e valoriza claramente a formação global e equilibrada dos alunos independentemente da sua proveniência social, regional ou cultural.
Um novo modelo de acesso ao ensino superior, absolutamente necessário no nosso país, permitirá diluir diferenças e poderá garantir uma formação mais equilibrada e diversificada dos jovens para que a passagem pelo ensino secundário deixe de ser um tempo de treino para exames de acesso à universidade em função das expectativas de alunos e famílias, e passe a ser um tempo de preparação sólida para a frequência do ensino superior.
Para a comunidade, para as autarquias, para o Ministério da Educação e para o Governo em geral, os rankings também são um instrumento de trabalho fundamental, melhor, deveriam ser.
De facto, há todo um país condenado a ocupar os piores lugares do ranking desde que estes existem. Uma espécie de determinismo insano para o qual parece não haver solução. Sem alterações dignas de registo ou apenas circunstanciais, há todo um país que nos últimos vinte anos se mantém nos lugares menos simpáticos dessa tabela. Isso não quer dizer que não se faça um trabalho de grande qualidade nessas escolas. Bem pelo contrário. Há escolas e profissionais de educação brilhantes que lutam pela valorização constante dos alunos e da comunidade, tantas vezes lutando contra fatores inibidores do sucesso que dificilmente conseguem ultrapassar.
Os rankings são uma chamada de atenção para aquele país mais despovoado ou mais abandonado onde, parece, as expectativas não vão além do imediato e onde as opções de futuro por vezes quase nem existem. Por mais que as escolas diversifiquem estratégias ou implementem percursos alternativos, enquanto não se investir a montante na melhoria das condições de vida, através da criação de emprego ou o incentivo à fixação, pouco mudará. Resta a providencial estoicidade dos atores educativos que não aceitam esta pena de Sísifo a que parecem terem sido condenados.