26 jun, 2023 • Paulo Pardal
Tempo estranho este...
Dizem que voa, mas parece parado!
Para alguém que, hipoteticamente, tenha decidido, há seis meses, não atender ao noticiário da actualidade nacional no semestre seguinte, hoje, decorrido o mesmo, o tempo virtualmente congelou... continuam, como temas em dia, os abusos sexuais na Igreja, o caso das indemnizações ou remunerações na TAP, a contestação dos professores, o encerramento de maternidades, o estado do SNS, a localização do futuro aeroporto de Lisboa (?), as trapalhadas da maioria governante...
No domínio da economia, entre outras recorrências, um tema veio para ficar, verdadeiro ‘Toyota’ da actualidade empresarial: a Sustentabilidade!
Para tal, tem bastado a sua aceitação e utilização sem contestação por parte de empresários, executivos, economistas, até políticos...
O tema está, contudo, longe de ser pacífico!
Logo à partida porque não é, normalmente, ‘à primeira’ que se entende o que se diz ou se escreve sobre o conceito, tornando indispensável a sua contextualização, tamanha é a sua ambiguidade: Sustentabilidade enquanto valor e prática de gestão contributiva para a não degradação do meio físico envolvente ou sustentabilidade enquanto valor e prática de Gestão tendente a assegurar, sem perda para a actividade corrente, a manutenção das condições necessárias à continuidade e sobrevivência da instituição a longo prazo?
Sustentabilidade na perspectiva da sua integração no ecossistema – eventualmente qualificável como ‘sustentabilidade sistémica’...- ou sustentabilidade na perspectiva da consecução de níveis de performance que não comprometam o desenvolvimento futuro da actividade – eventualmente qualificável como ‘sustentabilidade endógena’?
De seguida porque são frequentes, igualmente, as entorses na utilização, quer na linguagem verbal quer escrita, dos qualificativos correspondentes: Sustentável ou sustentado(a)?
Para além disso, porque, em termos conceptuais, sustentabilidade é, na verdade, uma ‘geringonça’ da gestão: É visão? Ou será missão? Talvez valor? Ou objectivo? Porque não estratégia?
Finalmente porque, é discutível a relevância conferida ao conceito... justifica-se? Faz sentido?
De facto, se for questionado, em abstracto, qual a qualidade que se associa mais a sustentabilidade, se ‘estabilidade’ se ‘instabilidade’, a maioria esmagadora das respostas será estabilidade!
Ora, nos dias que correm, face à incerteza, à imprevisibilidade intrínsecas da evolução, recente e perspectivável, do meio envolvente, a qualidade que melhor caracteriza o desenvolvimento da actividade das empresas e outras instituições é, precisamente, o oposto: a instabilidade!
Melhor fora então, a consagração do vocábulo, criado por uma conhecida marca de automóveis há alguns anos, para definir o principal atributo dos seus modelos: a “sustentaGilidade” - no inglês original, ‘sustainagility’ em contraponto a ‘sustainability’... -, no sentido da garantia e manutenção das condições para a adaptação permanente ao imprevisto, mediante o fomento da criatividade e, até mesmo, da capacidade de improvisar!
Sob múltiplas perspectivas, portanto, um conceito ambíguo, difuso, no mínimo, paradoxal...
Como paradoxal é o tempo que passa. Basta comparar a duração dos 5 minutos finais de uma partida de futebol que a nossa equipa está a ganhar por 1-0 e que não pode sequer empatar, com os 5 minutos finais de uma partida que a nossa equipa está a perder por 1-0, necessitando, imperiosamente, de, no mínimo, empatar...
Afinal, quanto tempo tem o tempo?
Afinal, quão sustentável é a sustentabilidade?
Nota: O autor escreve de acordo com a antiga ortografia
Paulo Pardal é professor na Católica Lisbon Business School & Economics
Este espaço de opinião é uma colaboração entre a Renascença e a Católica Lisbon School of Business and Economics