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João César das Neves
Opinião de João César das Neves
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Opinião Católica-Lisbon

Ao lado do essencial

07 ago, 2023 • João César das Neves • Opinião de João César das Neves


A JMJ é uma confusão de trânsito e notícias, como é também uma gigantesca manifestação cultural; mas nada disso é o essencial. Tão pouco o é a mensagem única, maravilhosa que ecoará nas catequeses e sermões. O essencial está n’Aquele que, se deixarmos, entrará estes dias no nosso coração. Porque, afinal, todos sempre vivemos mesmo ao lado do essencial.

A Jornada Mundial da Juventude gera, sem dúvida, uma enorme confusão. Lisboa, que normalmente em agosto já costuma ser considerada inabitável por tantos dos seus habitantes, está desta vez invadida por centenas de milhares de jovens vindos de todo o mundo. Apesar de vários anos de preparação, os imponderáveis multiplicam-se, e ao lado de cada queixa está um repórter para registar a ocorrência.

Para lá destas perturbações, jornais e comentadores oficiais, que passaram os últimos anos a tratar os católicos de pedófilos, andam um pouco perplexos, sem saber bem como lidar com a circunstância. O tema religioso não emociona intelectuais cultos e esclarecidos e a atitude habitual de falhar o tema impede-os de entrar no espírito. Só que a dimensão é demasiado grande e a abrangência demasiado vasta para se poder desprezar. Assim, como nas últimas visitas papais, a elite nacional vai-se manter silenciosa.

Apesar disso não vão faltar os casos, as polémicas, as críticas. O palco, que em fevereiro foi considerado sumptuoso e esbanjador, vai agora parecer tacanho e indigno. A presença ou ausência de cada individualidade será escrutinada em detalhe. Os discursos e sermões do Papa Francisco serão inspecionados em busca de assuntos que valham a pena: renúncia do pontífice, ordenação de mulheres ou homens casados ou qualquer um dos múltiplos temas sexuais. Toda esta confusão passa naturalmente ao lado do essencial. Isso aliás é costume, porque o essencial raramente é mediático.

Estes dias do início de agosto testemunham de longe o maior acontecimento cultural, a maior manifestação de alegria, de liberdade, de elevação e dignidade que alguma vez aconteceu neste país. Qualquer abordagem minimamente séria teria de ver isto. Aqueles que tanto se exaltam quando um punhado de ilustres se juntam numa assembleia para proclamar um manifesto ou umas centenas pretendendo abalar o regime com uns slogans gritados debaixo de cartazes, deviam agora admitir que o que desenrola debaixo dos seus olhos é algo realmente gigantesco.

Aquilo que acontece em Lisboa, e que não é um fogacho ocasional, pois já se verificou por 16 vezes em 14 cidades de todos os continentes, é o mais espantoso, brilhante e influente encontro da humanidade. Juntam-se americanos e chineses, russos e ucranianos, papuas e ugandeses, alemães e gregos. Unem-se ricos e pobres, universitários e pedintes, atrevidos, tímidos e assustados. No entanto, até estes elementos importantes passam ao lado do essencial, porque aquilo que a Jornada traz não se mede em números e efeitos sociais.

Toda esta multidão não veio ao acaso. Estão com um propósito bem definido. O que conta é o que os jovens de todo o mundo estão cá a fazer. Porque eles vieram sem interesses, sem medos, sem agenda. Não pretendem protestar, exigir, demolir. Não listam queixas, inimigos, exigências. Não contestam os sistemas, não acusam os governos, não detestam as instituições. Falam mais com os sorrisos, com os abraços, com o silêncio, que com cartazes ou palavras de ordem.

Não pretendem mudar o mundo, porque o seu encontro, em si mesmo, é já o mundo novo. Vêm amar os inimigos, dar a outra face. Vêm dizer aos pobres que eles são bem-aventurados e aos mansos que possuíram a terra. Vêm ser o sal da terra e a luz do mundo. Vêm como o pequenino rebanho a quem o Pai deu o Reino.

O encontro com o Papa, vigário de Cristo, é um momento de renovação da Igreja portuguesa e, através dos peregrinos, da Igreja universal. Foi assim em todas as vezes anteriores e será de novo desta vez. Viveremos nas próximas décadas dos frutos destes dias inesquecíveis. Mas até estas ideias grandiosas e estes resultados únicos passam ao lado do essencial.

Porque o essencial da Jornada acontece no coração de cada um de nós, se o deixarmos acontecer. Passa-se durante as centenas de milhar de confissões e nas centenas de milhar de comunhões. Passa-se nas inúmeras conversões, reconciliações, nos encontros previstos e inesperados. Numa palavra, passa-se no encontro com a Senhora que veio apressadamente trazer-nos Aquele que nos dá a paz, a esperança, a salvação. Afinal o essencial desta Jornada encontra-se no humilde sacrário que sempre esteve na igrejinha ao fundo da nossa rua. Pois há dois mil anos que vivemos mesmo ao lado do essencial.


João César das Neves, professor na Católica Lisbon School of Business & Economics

Este espaço de opinião é uma colaboração entre a Renascença e a Católica Lisbon School of Business and Economics

Comentários
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  • Gabriela da Carvalh
    08 ago, 2023 Coimbra 17:29
    Eu sinto muito tudo o que disse Padre César das Neves...Isto foi mais um relembrar, dar força aqueles que têm fê fraca e precisam de vez enquando um empurrão... É tão óbvio Deus estar nas nossas vidas, mas muitas vezes rodeamo-nos de negatividade por preguiça...Porque ser-se cristão é preciso ser forte e é mais fácil queixarmo-nos dos nossos desaires do que ir para a frente com as armas que temos...Obrigada
  • Pe. Joao Paulo Vaz
    07 ago, 2023 Pombal 20:00
    Caro e estimado João César das Neves, muito obrigado por estas palavras, que tanto emocionam, confirmam caminho e estimulam a colocar, definitivamente, o Essencial no centro da vida dos cristãos (que somos, ainda, na maioria e, pelo menos, no nome) e da Igreja, que se inscreve, como tão bem se experimentou nesta Jornada Mundial da Juventude, no Mundo. Creio que ficámos (o Mundo) bem melhor com esta experiência tão forte, real, profunda e impactante. O Papa falou! Os jovens falaram! E Cristo falou neles e em tudo o mais que este País e o Mundo puderam ver nesta JMJ Lisboa 2023. Gosto, pessoalmente, de pensar e de perguntar: que mal nos pode fazer Cristo? Mas, se não for Ele o essencial, que o seja, nas nossas vidas, o amor e a verdade (e o amor à verdade!). Isto os "jornais e comentadores oficiais", os "punhados de ilustres", "os que pretendem abalar o regime", os "intelectuais cultos e esclarecidos" o deveriam ter assumido desde sempre. Mas, há esperança. Este grande acontecimento o mostrou e as suas palavras, caro César das Neves, assim o manifestam também. Creia-me agradecido pelo seu testemunho público. Pe. João Paulo Vaz (autor da letra do Hino JMJ Lisboa 2023 "Há Pressa no Ar")
  • Teresa Costa Macedo
    07 ago, 2023 Lisboa 18:26
    Uma maravilha. Gostei imenso. E como sempre de uma grande acuidade e profundidade. Obrigada
  • Nuno
    07 ago, 2023 Lisboa 14:04
    Excelente texto a lembrar que a história desta JMJ começou há dois mil anos e não vai acabsr aqui