28 ago, 2023 • Pedro Celeste
Todos somos clientes de muitas coisas, em muitos contextos. E, seja qual for a área de negócio, é dos clientes que depende a sua subsistência.
Por essa razão, é cada vez mais relevante concentrar esforços na redução de todos os fatores que provocam atrito e mal-estar junto da comunidade de clientes: desde um serviço tardio ou um produto medíocre, a um atendimento ineficiente, tal como todos os fatores da envolvente que possam ser causadores de uma experiência sofrível.
Ouve-se falar, com maior intensidade, na centralidade do cliente como foco por parte de toda a organização, exatamente por se perceber o quão importante é garantir uma experiência que seja suscetível de ser repetida ou partilhada positivamente.
Nesse sentido, o primeiro passo que as empresas devem percorrer para atuar segundo esta lógica, é veicular a importância dessa atitude e prática em toda a cadeia de valor e organograma, começando pelas cúpulas. E este é um passo muito complicado de materializar, por força das resistências internas face ao status quo e por todos aqueles que consideram que a sua função nada tem a ver com clientes.
O passo seguinte é de caráter analítico: recolher dados por parte dos clientes que permitam percecionar as principais críticas, analisá-las, arrumá-las por clusters e tomar decisões corretivas. A este propósito convém dizer que metodologias como o NPS são necessárias e importantes, mas revelam-se incompletas, porque em si mesmas não encerram uma dinâmica de mudança. Isto, para além de todos nós sofrermos com a síndroma do questionário de satisfação.
Para que este processo produza resultados concretos é necessário praticar a escuta ativa, perguntando de forma natural o que corre bem e menos bem, o que se pode fazer para melhorar e incutir essa mentalidade desde o front line a toda a hierarquia que interage com clientes, para além da já normal recolha de comentários por via digital. Esta prática tem vários efeitos positivos: o custo é menor, é permanente, o envolvimento de colaboradores é maior e a predisposição por parte dos clientes para responder de forma objetiva é maior. Logo, os resultados são melhores: não só são mais fidedignos, como são acionáveis em termos de resolução.
Neste sentido, a identificação de clusters geradores de insatisfação permite percecionar a causa das reclamações, sejam elas de caráter logístico, da manutenção, do serviço ao cliente, do marketing, da área financeira, etc.: é o ar condicionado que não funciona, é a promoção que não se percebe, é o comportamento reprovável de um colaborador, é o site que é confuso, é o contacto telefónico que demora uma eternidade, é o número excessivo de interações digitais até à concretização de uma operação. Em suma, é a falta de sintonia entre o que se diz e o que se faz.
E a verdade é que, em todos estes exemplos, é possível quantificar o custo efetivo para a empresa, decorrente da resolução de cada problema, podendo o mesmo ser materializado em tempo ou investimento.
Até aqui, foram identificados procedimentos recorrentes em algumas empresas. Mas isso, por si só, não é garantia de mudança, pelo que só a responsabilização direta dos departamentos envolvidos na destruição de valor causará impacto no processo e gerará resultados positivos para a empresa.
Vejamos através de um exemplo aplicado à indústria hoteleira: da mesma forma que se associa um pocket money a cada uma das suas áreas funcionais (receção, animação, limpeza, food & beverage, etc..) em função dos índices de satisfação provocados em cada caso, também se deveria aplicar o mesmo racional no que à insatisfação diz respeito. O mesmo racional poder ser aplicado a um banco, loja, escola, restaurante, indústria ou serviço.
Uma empresa que, genuinamente, combate o atrito junto dos seus clientes, deve coresponsabilizar todos os departamentos causadores da destruição de valor, visível através das reclamações que identificam a origem dos problemas. E se os clusters são transversais a vários departamentos, ou se a identificação do problema se mantém ao longo do tempo, então é no C-Level que mais se deve fazer sentir esta medida. É, aliás, a única forma que “empurra” toda a empresa para a tão propalada centralidade no cliente.
Um dos exemplos mais comuns que é citado por clientes para explicar a sua incompreensão face ao seu interlocutor e que mais afeta a perceção de valor, reside na simples falta de resposta a um e-mail ou um contacto telefónico. Na era digital, em que se “brinca” às mais sofisticadas ferramentas de criatividade na interação com clientes e se caminha para a disrupção económica provocada pela inteligência artificial, é incompreensível que tal aconteça. Não é falta de orientação para o cliente. É falta de educação. E a culpa não é do marketing!
Pedro Celeste, diretor do Executive Master in Strategic Marketing, na Católica Lisbon Business School & Economics
Este espaço de opinião é uma colaboração entre a Renascença e a Católica Lisbon School of Business and Economics