09 out, 2023 • João Confraria
Na regulação dos mercados de comunicações, o nosso país não começou mal. As instituições foram adaptadas às necessidades do mercado, de acordo também com a legislação europeia. Com o desenvolvimento dos mercados digitais, têm surgido novas necessidades de regulação. Em boa medida estas necessidades devem ser satisfeitas a nível europeu, mas uma contribuição nacional ou é exigida ou não ficaria nada mal. Aqui dá ideia de que podemos ficar um pouco atrasados.
Logo em finais de 1989, antecipando a liberalização e as privatizações das décadas seguintes, foi criado o Instituto de Comunicações de Portugal (ICP), sobretudo através da autonomização da Direção dos Serviços Radioelétricos dos CTT. O ICP recebeu competências próprias para a gestão e fiscalização do espetro radioelétrico, assim como em matéria de normalização e aprovação de equipamentos.
Com o rápido avanço da liberalização, as competências que lhe foram atribuídas cresceram rapidamente durante a década seguinte, estendendo-se à regulação de preços e de condições de entrada no mercado. Ao contrário do que é veiculado nalguns mitos urbanos, em bom número de casos foi possível exercer essas competências próprias sem interferência do governo. No entanto, esta era sempre possível, dado que o ICP integrava a administração indireta do Estado.
Por outro lado, em várias áreas de regulação podia-se dizer que os poderes de intervenção do Estado estavam limitados, sendo necessária também uma reforma do modelo regulativo em vigor. Nestas circunstâncias, a capacidade de atuação do ICP não era a desejável.
Navegar numa internet 100% privada não é fácil, mu(...)
A sua transformação em autoridade independente com a constituição do ICP-Anacom, em 2001 e, também, a publicação de nova legislação para as comunicações eletrónicas em 2004, permitiram ultrapassar muitas dessas limitações. O objetivo principal era a liberalização dos mercados de telecomunicações, e a nova autoridade foi dotada de amplos poderes para o efeito.
Este objetivo foi conseguido, nos seus aspetos fundamentais. E de facto, nos últimos anos, além da realização do, por vários motivos célebre, leilão do espetro 5G, que sempre teria de ser feito, pelo governo ou outra entidade, não se viu grande intervenção da Anacom - Autoridade Nacional de Comunicações nos mercados de comunicações eletrónicas. Por outros motivos, a sua capacidade de intervenção nos mercados de comunicações também tem saído diminuída.
Assim, fica por discutir a missão da atual Anacom. Continua a ser necessária uma intervenção reguladora nos mercados de comunicações, designadamente de comunicações eletrónicas. Podem ser feitas coisas bem feitas e deve evitar-se fazer coisas muito mal feitas. Mas o que há a fazer nesta área é bem menos do que há uma meia dúzia de anos. É bom sinal, porque traduz o avanço da liberalização. O mesmo se passa noutros países europeus e a evolução da legislação europeia vai precisamente nesse sentido.
Entretanto, com base nas redes de comunicações de alta velocidade, multiplicaram-se as plataformas digitais e os problemas que suscitam numa perspetiva de interesse público. Os progressos dos modelos de negócio com base na inteligência artificial criaram mais preocupações públicas.
A União Europeia, que tem a ambição de ser uma referência em todas as áreas de regulação digital, tem tido várias iniciativas legislativas que, inevitavelmente, dada a natureza dos problemas, apontam para funções de regulação exercidas a nível europeu. No entanto, continua a ser necessária em muitos casos uma intervenção a nível nacional. E é útil adaptarmos as nossas instituições, para participar de forma mais adequada no processo regulativo europeu.
A Anacom parece ser um bom sítio para começar. O que há a fazer são coisas diferentes das que se integram nas suas áreas de intervenção tradicionais. No entanto, parte delas estão relacionadas com essas mesmas áreas de intervenção. Além disso, convinha não se perder o conhecimento acumulado sobre os processos regulativos, nacionais e europeus que, em parte pelo menos, a Anacom conserva, apesar da saída de muitas pessoas nos últimos anos, por reforma, ou por outros motivos.