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Paulo Modesto Pardal
Opinião de Paulo Modesto Pardal
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Opinião Católica-Lisbon

O gato, o queijo, os ratos e os ratinhos

29 jan, 2024 • Paulo Modesto Pardal • Opinião de Paulo Modesto Pardal


Professor Paulo Modesto Pardal escreve esta semana sobre as dores de crescimento da democracia.

Um homem vivia numa casa onde começaram a aparecer muitos ratos.

Arranjou, então, um gato para os afugentar ou, pelo menos, mantê-los à distância.

Um dia, numa feira, comprou um queijo enorme que colocou em cima de uma mesa para não estar acessível aos ratos, mas, ainda assim, instruiu o gato para os não deixar aproximar.

O gato afadigava-se, mas sem grande sucesso. Eram tantos os ratos que, frequentemente, o ludibriavam, conseguindo levar alguns pedaços de queijo!

O gato irritava-se, redobrando esforços na perseguição dos ratos que, nessas ocasiões viviam, esfomeados, em permanente sobressalto...

Certo dia, em que o gato estava particularmente enfurecido, um pequeno grupo de ratos, mais fortes e ousados, propôs-lhe o seguinte: eles não deixariam os outros ratos aproximar-se e, em contrapartida, o gato permitiria que levassem, todos os dias, uma ração generosa de queijo para eles e suas famílias.

O gato aceitou, de imediato, a proposta já que, assim, poderia retomar os passeios e fazer as sestas, como era seu hábito, antes do homem ter comprado o queijo!

E descansou, sem se aperceber do tumulto que, afinal, diariamente, se gerava, dado o facto de o referido grupo de ratos se revelar incapaz de conter a correria tumultuosa para o queijo de todos os outros ratos, ávidos para matar a fome!

Receosos que o gato desse conta do que se estava a passar, os ratos, que haviam assumido o compromisso de manter a ordem, depois de muito matutarem, prepararam um plano de acção: selecionariam um grupo numeroso de ratos, entre os menos escanzelados, a quem, discretamente, dariam uma pequena porção de queijo em troca de estes impedirem o acesso dos restantes ao queijo; por seu turno, eles mesmos instalar-se-iam em cima do mesmo, no sentido de assegurar uma observação 360º da eficácia da solução.

Sendo todos os ratos iguais, uns passaram a ser mais iguais que outros, pelo se lhes justificou, inclusive, uma hierarquização da comunidade: os Ratos (com inicial maiúscula), os ratos e os ratinhos.

Porém, em flagrante violação do acordado, os ratos, dada a existência de algumas relações de parentesco, alguma afinidade ou, até mesmo, alguns favores recebidos no passado, começaram a deixar alguns ratinhos aceder ao queijo... foi a confusão total: guincharia ruidosa, manifestações, agressões, violência passaram a fazer parte do quotidiano.

Os ratos decidiram, então, organizar o acesso dos ratinhos ao queijo e administrar, eles mesmos, a atribuição do queijo. Embora com muitos protestos, os ratinhos passaram a ter de formar filas para receberem a sua ração diária.

O processo estava, contudo, longe de ser pacífico: por um lado, os lugares da frente nas filas passaram a ser ferozmente disputados, em alguns casos objecto de ‘negociatas’, muitas vezes nada transparentes; por outro, a quantidade entregue a cada um e, até mesmo, a sua qualidade, suportava-se em ‘critérios’ muito discutíveis, como ofertas, lisonjas, etc, etc...

Ainda assim, foi possível criar condições mínimas de alimentação e convivência na comunidade roedora, os hábitos e costumes instituíram-se e o tempo foi passando.

O gato desinteressado. Os Ratos, anafados, no seu pedestal, os ratos absorvidos com a gestão das filas de espera e dos ratinhos não reza a história.

Moral da estória: Corrupção!? Nepotismo!? Suborno!? Clientelismo!?

Dores de crescimento da democracia.


Paulo Modesto Pardal, professor da Católica Lisbon School of Business & Economics

Este espaço de opinião é uma colaboração entre a Renascença e a Católica-Lisbon School of Business and Economics

Nota: O autor escreve de acordo com a ortografia antiga

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