22 abr, 2024 • António Baldaque da Silva
O financiamento sustentável é normalmente definido como o investimento, financiamento ou gestão de ativos que têm em consideração não só os seus retornos financeiros, mas também o seu impacto mais amplo a longo prazo, nomeadamente em termos sociais ou ambientais.
Esta perspetiva mais abrangente sobre o retorno dos investimentos vem de há muito tempo, estando enraizada nos princípios éticos de contratação e concessão de empréstimos de algumas das principais religiões do mundo.
No entanto a doutrina Friedman de que “a responsabilidade social das empresas é aumentar os seus lucros” tem regido de forma dominadora a compreensão do papel das empresas nas economias de mercado. Para as empresas o que é das empresas (lucro); para os governos o que é para os governos (preocupações mais abrangentes). Mas acontecimentos como a destruição da camada de ozono na década de 1980, o desastre nuclear de Chernobyl (1986), o apartheid na África do Sul (até ao início da década de 1990) e os crescentes efeitos negativos das alterações climáticas e da poluição trouxeram de novo para o primeiro plano a discussão sobre o papel das empresas nas nossas sociedades.
Esta reflexão culminou com uma decisão histórica da muito influente Business RoundTable dos EUA: a de reformular a sua definição do papel da empresa. Segundo esse novo propósito, “as empresas devem servir não apenas os seus acionistas, mas também entregar valor aos seus clientes, investir nos seus colaboradores, negociar de forma justa com os fornecedores e apoiar comunidades em que operam”.
Hoje em dia, temos ao nosso dispor um amplo leque de opções de investimento com características e preocupações mais amplas (também chamado investimento responsável): desde a filantropia, onde o foco está no impacto social ou ambiental e não no retorno financeiro, ao investimento de impacto, onde se tentar equilibrar estas duas componentes até ao Investimento Sustentável, onde a preocupação é com o retorno financeiro, mas incluindo uma perspetiva mais ampla e de longo prazo, nomeadamente através do uso de informação não financeira, como dados ambientais, sociais e de governação (ESG em inglês, de Environmental, Social and Governance) nas decisões de investimento. Os investimentos convencionais ignoram este tipo de dados.
A diferença entre o investimento sustentável e o investimento mais convencional (à la Friedman) está a tornar-se cada vez mais ténue. Por exemplo, a BlackRock, a maior gestora de ativos do mundo, define a integração de dados ESG como a prática de incorporar dados ou informações ESG financeiramente relevantes nos processos de análise da empresa, com o objetivo de melhorar os perfis de risco e retorno dos investimentos dos clientes, sejam esses investimentos convencionais ou sustentáveis. Ou seja, toda a informação financeiramente relevante, que pode incluir ESG, deve ser utilizada quando se analisa um investimento.
Não há talvez área em que a linha que separa o investimento sustentável e o convencional seja mais ténue do que quando falamos em alterações climáticas. É um tema da maior relevância para a nossa sociedade e agora incontornavelmente relevante também para qualquer empresa ou investidor.
As alterações climáticas são reais, quer acreditemos ou não. A transição para uma economia de baixo carbono está a acontecer, quer seja bem ou mal gerida (embora seja muito mais barata se for bem gerida). A transição está presente na inovação tecnológica (que fornece energia verde a custos cada vez mais baratos), nas políticas governamentais (por exemplo, o IRA nos EUA ou do Pacto Verde na Europa), nas preferências dos consumidores (por exemplo, na procura de carros elétricos ou na economia circular) ou mesmo em processos legais contra poluidores.
Esta transição terá um impacto significativo e permanente em, praticamente, todas as indústrias e empresas e em qualquer lugar do mundo. As oportunidades e os riscos decorrentes desta transição são grandes – e ninguém pode dar-se ao luxo de as ignorar.
Assim, quase por definição, qualquer informação sobre as alterações climáticas (ESG) é financeiramente relevante e, portanto, precisa de ser incorporada na análise financeira de qualquer empresa. O investimento sustentável é o novo investimento convencional.
O círculo está fechado e Friedman pode dormir em paz. Preocupações ambientais devem estar na agenda de qualquer empresa: se não for por preocupações de investimento responsável, pelo menos será pelo facto de as alterações climáticas (e preocupações de sustentabilidade me geral) estarem a influenciar toda a cadeia de valor da empresa.
Esta mudança de paradigma – especialmente no que se refere à transição para a sustentabilidade – é uma prioridade da Comissão Europeia – que lidera o esforço legislativo a nível mundial. A estratégia é influenciar, nomeadamente através das grandes empresas e do sistema bancário, a forma como todas as empresas gerem a transição para uma economia mais sustentável. Os custos de ignorar ou atrasar a transição são elevados, nomeadamente eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes e agudos, com custos económicos e sociais significativos e desiguais.
A Bloomberg estima que o investimento verde na transição foi de cerca de 1,8 biliões de dólares em 2023 (um aumento de 17% em relação a 2022), ou cerca de 2% do PIB mundial. Mas a Agência Internacional de Energia (AIE) estima que estes números devem crescer para cerca de 5 biliões de dólares até 2030 se quisermos que a transição energética esteja alinhada com o acordo de Paris, mantendo o aquecimento global significativamente abaixo dos 2ºC em relação a níveis pré-industriais.
As oportunidades que vêm com este investimento são muito vastas. A China (o país mais poluidor do mundo) lidera em termos de investimentos verdes, com quase 700 mil milhões de dólares em 2023, mais do que a UE e os EUA juntos. A corrida para vencer esta nova revolução industrial – e a sua fonte de enormes novas oportunidades de crescimento económico – está em curso, com os diferentes blocos económicos a tentarem posicionar bem as suas indústrias nesta corrida. Qual a melhor estratégia? Quem ganhará a corrida?
António Baldaque da Silva, Diretor Executivo do Center for Sustainable Finance da Católica-Lisbon
Este espaço de opinião é uma colaboração entre a Renascença e a Católica-Lisbon School of Business and Economics.