19 nov, 2024 • Paula Margarido
Assinalámos ontem, dia 18 de novembro, o Dia Europeu da Proteção das Crianças contra a Exploração Sexual e os Abusos Sexuais. Esta data foi criada pelo Conselho da Europa em 2015 com o objetivo de sensibilizar para o abuso e exploração sexual das crianças e para promover a ratificação e implementação da Convenção de Lanzarote - “Convenção do Conselho da Europa para a Proteção das Crianças contra a Exploração Sexual e os Abusos Sexuais” - que, entretanto, já foi ratificada por todos os Estados Membros do Conselho da Europa.
Todos os crimes são horrendos, mas aqueles a quem foi infligida uma violação da sua integridade sexual não entendem que o bem jurídico protegido seja apenas o da autodeterminação sexual. Uma prática dessa natureza, perpetrada sobre as crianças, coloca em perigo o desenvolvimento da sua personalidade e quantas vezes a sua vida!
Também sabemos que se trata de um crime que é cometido na intimidade, às escondidas, por pessoas sobre as quais recai uma áurea de idoneidade e que são muito próximas das vítimas… A prova é sempre tão difícil! E quantas vezes pessoas que abusaram sexualmente de crianças, de menores, que conheceram processos-crimes e que foram arquivados por falta de provas, continuam na sociedade, no mundo, a exercer as suas influências, humilhando aqueles e aquelas que foram o alvo dos seus comportamentos sexualmente desviantes.
Daí que se entenda que se deve fazer cumprir o artigo 33.º da Convenção de Lanzarote, sob a epígrafe “prazo de prescrição”, criando-se em Portugal um prazo de prescrição que venha a permitir que a vítima instaure um procedimento criminal contra o agressor num momento que vai muito para além da idade em que atingiu a maioridade. Porquê? Porque, por regra, as vítimas apenas conseguirão falar sobre as atrocidades cometidas sobre si quando têm entre 45/50 anos.
A verdade é que em Portugal, Luxemburgo, Estónia, Grécia, Malta, Chéquia, Lituânia, Finlândia, Eslováquia e Bulgária as vítimas de abuso sexual de crianças, na sua totalidade ou na sua maioria, não podem denunciar o crime depois de atingirem os 40 anos de idade.
Abuso de crianças
Dados foram revelados pelo diretor nacional adjunt(...)
Em Portugal, na mais recente alteração ao Código Penal (em janeiro de 2024), infelizmente, ficou determinado que o procedimento criminal não se extingue antes de o ofendido perfazer 25 anos.
Logo, a vítima que apenas consiga verbalizar os acontecimentos por si vividos após os 45 anos, jamais conseguirá apresentar uma queixa-crime contra o agressor.
Já em Espanha, Itália, França, Alemanha, Eslovénia e Letónia o prazo de prescrição termina depois de a vítima atingir os 40 anos. E na Irlanda, Chipre, Dinamarca e Bélgica as vítimas podem denunciar os crimes sexuais contra crianças, independentemente do tempo decorrido.
Efetivamente, os curtos prazos de prescrição criminal silenciam as vítimas, agravam os seus traumas e custam aos Estados membros da União Europeia milhares de milhões de gastos em saúde pública.
O Conselho da Europa refere-nos que “uma em cada cinco crianças são vítimas de alguma forma de violência sexual, 70% a 85% conhecem os agressores, um terço nunca fala do abuso”. E já no nosso país o Instituto Nacional de Estatística estima que um quinto da população maior de idade tenha sofrido violência na infância, sendo que mais de 176 mil pessoas (2,3%), entre os 18 e os 74 anos, terão sido vítimas de abusos sexuais.
Não nos podemos conformar, antes temos de entender a natureza deste tipo de crime, bem como o perfil das vítimas, dos agressores, dos danos que causa e alcançar que um prazo de prescrição tão curto apenas desprotege as vítimas e beneficia os agressores.
“Ser menino é estar cheio de céu por cima”…que a nossa sociedade tudo faça para que as nossas crianças continuem a ter um céu que lhes permita sonhar com a esperança, não obstante o sofrimento vivido!
Paula Margarido, Advogada e Deputada da XVI Legislatura