13 mar, 2018
A notícia da derrota de Hillary Clinton deixou-me francamente desapontada. Não ignoro que ela é uma política que ganhou muita experiência em episódios da história recente que não primaram pela transparência e umas quantas das suas propostas nunca me convencerão. Mas a possibilidade de eleger para Presidente dos Estados Unidos da América uma mulher inteligente e trabalhadora, capaz de exercer o cargo com dignidade, eficiência e sentido da realidade, pareceu-me um projecto extremamente apetecível, o quebrar de um gigantesco tecto de vidro que poderia alterar massivamente a percepção que se tem a nível mundial relativamente ao acesso das mulheres aos cargos de liderança, ao exercício do poder e, em geral, sobre a ideia – absolutamente correcta – de que a competência não tem um género predeterminado. Além disso, é justo sublinhar o seu esforço objetivo e constante em prol de intervenções públicas e alterações legislativas relevantes a favor das crianças e das mulheres.
Mas Hillary perdeu as eleições. No entanto, as mulheres norte-americanas saíram de imediato à rua para se manifestar contra a escolha de um empresário bully e pouco escrupuloso que se gaba da sua falta de respeito para com o sexo feminino e tudo o que isso poderia significar – como vemos, todos os dias – no desempenho do cargo. E poucos meses depois, o movimento de denúncia de crimes de assédio sexual tomou forma, lembrando a todas as pessoas, qualquer que seja a sua situação social ou cultural, que merecem respeito e devem ver garantida a segurança da sua intimidade. Olga Ruiz, directora da revista espanhola «Telva», decidiu interrogar as amigas sobre a representatividade do movimento #MeToo, perguntando: «Já foste alvo de violência sexual?». Para espanto dela e, depois, dos seus leitores de ambos os sexos, choveram no seu correio electrónico relatos incontáveis, até ali guardados no sofrimento silencioso e na vergonha, para não dizer na culpabilidade que sentem estas vítimas, alguns narrando situações extremamente graves: na garagem do prédio, no elevador, nos transportes, no trabalho, no lazer. E quantas respostas não teriam chegado se Ruiz tivesse questionado ainda «Quantas vezes foste menorizada no exercício do teu papel familiar, profissional, social, religioso?».
Alex Mucchielli, um especialista em processos psicossociais de construção da identidade explica porque é que a mudança de mentalidades a nível do igualdade entre sexos é um processo tão lento e tão difícil, mesmo quando se trata de situações de violência muito objetivas, as quais encontram nos media um eco considerável: «Uma vaga insegurança atinge os homens mesmo se eles estão longe de ser machistas e se, como todos os seus contemporâneos, condenam a violência. Eles ressentem vagamente que esse movimento social não é outra coisa se não um signo suplementar da desaparição de um dos quadros sociais fixos de referência dos tempos passados: a clara distinção da superioridade do homem sobre a mulher. O modelo passado cedeu o lugar à igualdade sexual, à indiferenciação dos papéis sexuais, à negociação das atribuições…, mas estas ideias ainda não se concretizaram generalizadamente nos comportamentos. Estas últimas condutas permanecem por inventar e é em parte isso o que angustia o homem contemporâneo.»
Hoje, no dia em que passam cinco anos da eleição do Papa Francisco, é um bom dia para lembrar que MeToo chegou em boa hora, e que este é o tempo de saudar os esforços em prol da igualdade de direitos entre homens e mulheres, no respeito pela diferenciação das qualidades, dos interesses e das características pessoais que faz parte da natureza humana. Em grande parte porque, se o Papa Francisco trouxe à Igreja católica um Tempo novo, de aproximação ao Projecto de Cristo, de alegria na fé, de confiança no ser humano, de visibilidade dos invisíveis, também não deixou para depois a questão feminina. Por isso mesmo, nos lembra muitas vezes que há por aí um machismo de saias, tão pernicioso e triste como aquele outro mecanismo de proteção e difícil processo de mudança de mentalidades e maturação da identidade, de que fala Mucchielli. Agora, é Tempo de mudar, por uma humanidade melhor. O Papa Francisco chama-lhe o contributo indispensável do «génio feminino»: obrigada, Santo Padre!