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Cristina Sá Carvalho
Opinião de Cristina Sá Carvalho
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A caminho do Sínodo dos Jovens I

27 mar, 2018 • Opinião de Cristina Sá Carvalho


Habituados a olhar para si mesmos e para os seus próximos, com o tal interesse experimental, os jovens procuram educadores “com rosto humano”, disponíveis para “reconhecer a sua fragilidade”.

Quando a Igreja católica aquece motores para o Sínodo dos Jovens, que terá lugar no próximo outono, é interessante convocar para a discussão algumas reflexões mais inovadoras. Por exemplo, o Manual de Psicologia da Religião da APA, num trabalho de P.E. King, J. S. Ramos, C. E. Clardy (2013) «Searching for the Sacred: Religion, Spirituality, and Adolescent Development», assinala que as Igrejas enfrentam um novo desafio pastoral sob a forma de um novo estádio da vida espiritual, o dos «adultos emergentes» (18 e os 25 anos).

Os autores encontraram uma geração moldada pela globalização e a cultura tecnológica, e pelas mudanças filosóficas (pós-modernismo, pluralismo, relativismo) da cultura ocidental vigente, e definível por uma mentalidade sustentada na liberdade, exploração, experimentação, descoberta, sucesso, fracasso, multiculturalismo, transição. «É caracterizada pela experimentação e exploração independentes em áreas como educação, trabalho, amor e visão de mundo (incluindo os marcos religiosos e espirituais)» e que testa diversas situações de vida que contribuem para a sua individuação e diferenciação, incorporando muitos tipos de relações socias que seriam estranhas para os seus pais, enquanto sustenta e renegoceia antigos relacionamentos com a família e os amigos.

Para muitos rapazes e raparigas, a renegociação religiosa e espiritual quase definitiva ocorre durante este tempo em que os adultos emergentes procuram responder a perguntas sobre crenças, envolvimento na comunidade e participação em práticas religiosas. Os dados mostram que «eles são os grupos menos religiosos dos adultos» e que os «pais e adultos continuam a ser importantes influências, muitas vezes até mesmo superando a influência dos colegas». A pesquisa de campo indica que se sentem confortáveis falando de religião, mas também que não estão particularmente interessado em discutir o tema. Estes adultos emergentes «tendem a ver o valor da religião como uma promotora de “bom comportamento”, mas também colocam a sua confiança na ciência com vantagem sobre a tradição.»

Em algumas das amostras já entrevistadas por investigadores «a religião é vista como um assunto pessoal fortemente influenciado pelo pluralismo; noutras palavras, a maioria considera que nenhuma pessoa, em última análise, sabe o que é verdadeiro ou certo para todos». No que diz respeito à espiritualidade, exploram as suas crenças e identidades espirituais e religiosas através de um processo de questionamento e dúvida face às visões de mundo e autoconceito da sua infância, com uma atitude espiritual e religiosa tendencialmente fluída e suscetível de alterações, diminuição ou flutuações nos compromissos e frequência dos sacramentos, assim como uma participação em atividades religiosas ou práticas espirituais bastante intermitente, e sempre críticos com os sistemas de crenças e afiliações religiosas. Central parece ser a possibilidade de uma relação pessoal com Deus ou um ser superior, «mas que não se confunde com as instituições religiosas». Do mesmo modo, parecem motivados pelo autodesenvolvimento da sua espiritualidade, «a busca contínua por crenças e valores considerados distintos e únicos, uma capacidade crescente de reciprocidade através da experiência de exploração relacional e o desejo de fazer a diferença no mundo, mostrando o cuidado ou a generosidade para com os outros». Basicamente, a emergência do desenvolvimento espiritual destes adultos em início de jornada parece ser caracterizada pela tolerância, a capacidade de adaptação, a abertura, a comunidade, procurando e sentindo curiosidade sobre assuntos de natureza espiritual.

Apesar destes estudos contarem com amostras sobretudo americanas, os dados recolhidos não parecem afastar-se muito dos pedidos que os jovens católicos fazem à Igreja através da grande reunião pré-Sínodo que teve lugar na semana passada, referindo que desejam uma Igreja “transparente” e “credível” (em particular nas lideranças), que “reconheça os erros do passado” e que “dialogue com a modernidade”. O texto apresenta “um grande desejo de transparência e credibilidade”, e pedem que a Igreja “saiba reconhecer com humildade os erros do passado e do presente e se empenhe com coragem a viver o que professa”. Já era anteriormente sabido que a hipocrisia dos praticantes e a incongruência fé-vida dos pastores e responsáveis adultos se encontram no top da motivação para o abandono da comunidade ou, até, da fé.

Certamente habituados a olhar para si mesmos e para os seus próximos, com o tal interesse experimental, os jovens procuram educadores “com rosto humano”, disponíveis para “reconhecer a sua fragilidade”: esta já é uma geração bastante martirizada com a erosão da família e da escola, e que aprendeu, desde pequenina, a desconfiar de discursos teóricos, metas perfeitas e promessas milagrosas. O texto final do encontro também mostra quanto os jovens “sofrem com a falta de acompanhamento que os ajude a percorrer a estrada da sua vida” e pedem à comunidade cristã que “assuma a responsabilidade” desta necessidade enquanto “guias autorizados”, provavelmente porque as demais referências tradicionais já falharam, e ter sempre de se “desenrascar sozinho” é uma fonte contínua de incerteza e ansiedade.

Mas este encontro também mostra que já há uma «geração Francisco» na Igreja católica: jovens que reclamam “testemunhas autênticas” de fé, apaixonadas, esperam “uma Igreja acolhedora e misericordiosa”, dentro da qual até querem estar, que ama todos, sem ser demasiado severa ou moralista, e que vá ao seu encontro, eles que são a nova periferia dos habitantes da aldeia global. “Inclusão, acolhimento, misericórdia e ternura” são palavras-chave, a que se somam os objetivos geracionais para o mundo: a paz, a “ecologia integral”, uma “economia global sustentável”, que ser jovem hoje é duro e incerto. Que o relatório protocolar tenha sido escrito em inglês diz muito sobre o desafio constituído por estes adultos emergentes no seio da Igreja católica, mais uma obra do enquadramento e da aceitação do Papa. Será que, também ele, encontrou o seu «exército»?

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