02 out, 2018
É comummente sabido que o Papa Francisco tem uma APP claramente favorita: quem o escuta e o lê encontra repetidamente um programa assente na Alegria, na preocupação com as Periferias e com a centralidade colocada nos Pobres. E, tal como escreveu no seu texto programático (EG 108-109), a Alegria pode e deve chegar às Periferias e aos Pobres através do exercício inteligente e motivado da Esperança Activa. A palavra «Alegria surge referida 96 vezes no texto da dita Exortação Apostólica, 97 vezes se contarmos com o título, «A Alegria do Evangelho». Por seu lado, «Periferia» regista uma frequência de 5 vezes e a palavra «Pobre» é indicada 64 ocasiões.
Esta APP Papal vê-se reflectida no Instrumento de Trabalho publicado para a preparação dos delegados de todo o mundo que, esta semana e durante um mês, tomam assento no Vaticano para participar ativamente no Sínodo dos Jovens. Neste texto, resultante de múltiplos inquéritos e encontros prévios, a palavra «Alegria» é referida 37 vezes e a referência aos pobres e à pobreza surge 14 vezes. Já a Esperança é invocada 28 vezes no texto programático do Papa e aparece referida 21 vezes no texto preparatório do Sínodo, um documento relativamente mais curto.
Mas a «Periferia» aparece apenas uma vez no texto de trabalho do Sínodo. Há, no entanto, que reparar como este conceito surge ligado à cultura do descarte, cultura essa que não só produz o crescente fosso entre os «centros» da vida afluente e as «margens» ignoradas das sociedades actuais, também nas desigualdades intergeracionais, e que constitui uma voz e uma praxis cujo contributo não se poderá ignorar se aspirarmos verdadeiramente a uma vida comum mais justa e mais fraterna. Este propósito é também essencial no pensamento do Papa Francisco, crítico dos paternalismos sapienciais das correntes mais diversas, e que na «Alegria da Fé» refere a necessidade de escutar os velhos e os jovens: «Tanto uns como outros são a esperança dos povos. Os idosos fornecem a memória e a sabedoria da experiência, que convida a não repetir tontamente os mesmos erros do passado. Os jovens chamam-nos a despertar e a aumentar a esperança, porque trazem consigo as novas tendências da humanidade e abrem-nos ao futuro, de modo que não fiquemos encalhados na nostalgia de estruturas e costumes que já não são fonte de vida no mundo actual» (n.º 108).
Não há, de facto, necessidade de inscrever com frequência a ideia de «periferia» num documento de trabalho para e com os jovens: eles hoje constituem, em todas as classes sociais, economias, meios culturais, países, empresas e órgãos de poder, a grande periferia humana dos efeitos colaterais da economia de casino, da desregulação, da cultura frívola e superficial, do crescente delírio das redes sociais, da educação débil, materialista e apressada, da ausência de cuidado, ideal e sacrifício das lideranças, da preferência pelos animais contra as necessidades das pessoas, da idolatria das máquinas, da manipulação do crime organizado, da violência aceite com resignação e da exploração de todos os populismos. Eles são, mesmo que não o sintam nem o saibam, os grandes numerosos pobres desta história.
Particularmente nós, na Europa, outrora informada e esclarecida, aberta e consciente, responsável e criativa, poderíamos ater-nos apenas a um problema e, resolvendo-o, encontrar a identidade na diversidade que ontem nos caraterizou e hoje, arriscadamente, nos falha: pensemos nos jovens e no que significa o quotidiano das suas vidas de trabalho mal remunerado, escassez de habitação, precariedade e instabilidade, e compreendamos como produzem, dia a dia, esse inverno demográfico que bem se poderá tornar o inferno neste continente de história, de arte, de filosofia, de conhecimento, de espiritualidade, de saber fazer, de saber viver e de saber ser.
Esta semana todos os caminhos juvenis se dirigem ao Vaticano. A aritmética da Esperança em 2018 já não é a de 68, não dará tantos posters fotogénicos nem tantos filmes de acção, pois hoje o que está em risco é a invisível estrutura de sobrevivência das sociedades abertas, as nossas vidas perdidas na globalização, o silencioso risco da cómoda inércia adulta, que finge não ver o mal e não se decide a combatê-lo afincadamente. O Papa – e o Instrumento de Trabalho do Sínodo, 111 vezes – propõem um método de abordagem das realidades que é um tesouro inaciano ao serviço de toda a causa humana, o motor da mudança, a base de uma Esperança que não é romanesca nem livresca mas se constrói com decisão e com determinação: Discernimento.
Deveríamos acompanhar este Sínodo com atenção. Não se trata de um mero encontro de correligionários que arranjaram uma viagem à borla ou do folclore animadinho de um conjunto de fiéis de uma dada interpretação da vida. Trata-se de uma oferta verdadeira e leal à humanidade para que esta progrida e cresça melhor.