20 set, 2023 • José Pedro Frazão , Marta Pedreira Mixão
A piscóloga Ana Bispo Ramires, especializada em alta competição, alerta para situações de abuso cometidos sobre jovens atletas masculinos.
"Também gostava de - peço imensa desculpa, às vezes gosto de tocar coisas um bocadinho polémicas... - mas tenho um atleta de 15 anos que foi iniciado por uma fisioterapeuta do ponto de vista sexual e disto não se fala", disse A na Bispo Ramires, em declarações ao programa "Da Capa à Contracapa", da Renascença.
"Fala-se muito do abuso, daquilo que é o lado das atletas femininas, mas acontece no masculino. E não é só por treinadores: é por treinadores, é por médicos, é por psicólogos. Ou seja, todas as pessoas que têm acesso a atletas deveriam, de facto, por si só, ter este tipo de formação", relata.
A especialista, que tem trabalhado nos últimos anos com os atletas olímpicos, explica ainda o mecanismo que leva a denúncias de situações de potencial abuso que aconteceram no passado.
"Perante uma situação de potencial abuso, a nossa resposta de adaptação psicológica para sobreviver àquele contexto é fazer uma coisa que se chama dissociação. Quer dizer que fica lá o meu corpinho, mas a minha cabecinha vai para o sítio. Por isso é que, muito frequentemente, as vítimas de abuso só acedem a este tipo de informação anos depois", explica.
Ana Bispo Ramires destaca ainda as reações por parte da sociedade, que muitas vezes colocam em causa a reação de denúncia dos atletas.
"[Há] aqueles comentários maravilhosos de 'o quê? passaram dez anos e agora é que vamos falar sobre isto?', fazendo com que as vítimas tenham ainda um outro nível de agressão, quando têm a coragem de falar", aponta Ana Bispo Ramires.
Ana Bispo Ramires chama a atenção para pressão exercida por treinadores e família sobre os atletas de alta competição e critica ainda o espírito de "medalhite" em Portugal a cada edição dos Jogos Olímpicos.
"Para mim, que estou há 25 anos no terreno, é aquilo que que mais me aborrece, que é ver a nossa sociedade de facto a reger-se por medalhinhas e medalhites. Quando estávamos em Tóquio, no final da primeira semana, ainda não tinha havido medalha absolutamente nenhuma e, em Portugal, já estavam todos cheios de comichões porque não estavam a acontecer coisas e nós tivemos os melhores resultados históricos de sempre. Como se um atleta que vai a Tóquio e tira o nono lugar fosse um fracasso", recorda Ana Bispo Ramires que esta semana debate, no Da Capa à Contracapa, o livro " O Meu Treinador" da escritora Joana Bértholo.
Por sua vez, a autora apela à melhoraria da representação de mulheres nas funções de treinador.
“Há claramente avanços, mas, na questão de género, ainda acredito que os avanços são muito tímidos e os números comprovam-no. Encontrei alguns estudos dos anos 90 e agora e a percentagem de treinadoras e, sobretudo treinadoras com graus de formação mais elevados, ronda ali entre os 19 e 20%", afirma Joana Bértholo.
“E esse número ainda é o que é, porque há modalidades também que estão muito associadas ao feminino e em que é muito comum os treinadores serem treinadoras”, conclui.