22 jun, 2024 • Arsénio Reis , Sandra Afonso
A menos de quatro meses da apresentação do Orçamento do Estado para 2025, a Confederação do Comércio recupera a promessa eleitoral do choque fiscal, que marcou uma das polémicas do início do governo de Luís Montenegro.
Depois do IRS, está agora em causa a tributação das empresas, que esperam ser contempladas com cortes fiscais, já no próximo Orçamento do Estado.
Em entrevista à Renascença, João Vieira Lopes, presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal, lembra que “o governo comprometeu-se na campanha eleitoral a fazer um choque fiscal”, que o setor considera “uma questão estrutural”. Este choque fiscal deve centrar-se “no tripé: IRC, investimento e capitalização”, com enfoque para a parte fiscal.
A confederação já fez as contas e já apresentou a proposta ao ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento. Pedem a descida da taxa geral de IRC de 21% para 17% (1% ao ano), que iria abranger 42% das empresas, com um custo para o Estado de 300 milhões de euros.
Querem ainda o corte imediato da taxa reduzida de IRC para as PME, de 17% para 15%, e a redução das tributações autónomas em 10%, até desaparecerem. Cada uma destas duas medidas representa um custo anual de 100 milhões de euros.
A questão agora é saber se ainda há margem orçamental para mais despesa. O governador do Banco de Portugal já admitiu que vamos entrar em défice. Vieira Lopes deixa essa gestão para o executivo.
Aos patrões do comércio interessa discutir com o governo, em sede de Concertação Social, a fiscalidade e a capitalização das empresas e admitem rever os acordos assinados com a equipa de António Costa. “Sobre esse ponto de vista, tem todo o sentido alargarmos o âmbito das áreas em que podemos trabalhar para fazermos um novo acordo”, diz.
No entanto, Vieira Lopes estranha que o novo governo ainda não tenha dado nenhuma indicação sobre como vai gerir estas matérias. Para a próxima quarta-feira está já marcada a terceira reunião de trabalho, esperam não ficar à margem da elaboração do Orçamento do Estado para 2025.
“Qualquer acordo de Concertação Social tem de ter uma componente fiscal forte, o que implica as medidas estarem previstas no Orçamento do Estado. Nesta reunião que vamos ter o governo não introduziu o problema do OE! Estamos na expectativa para perceber até onde o governo quer ir em termos de Concertação”, explica.
Apesar do forte crescimento que se regista no turismo, “há restaurantes com salas fechadas ou que encerram um dia por semana, o que não acontecia há uns tempos”. Porquê? Porque “há falta de mão-de-obra, incluindo qualificada”.
Nesta entrevista ao Dúvidas Públicas, João Vieira Lopes diz que as empresas sentem dificuldade em contratar para este setor, por isso, os horários do comércio não podem ser um “tabu”.
“É cada vez mais difícil encontrar pessoas que queiram trabalhar aos fins-de-semana e à noite, por exemplo. Provavelmente vamos ter de repensar também a prazo o próprio horário de abertura, Portugal é um dos países com o horário mais extenso”, acrescenta.
Os sindicatos já andam há algum tempo a reclamar a revisão dos horários, mas Vieira Lopes rejeita comentar esses argumentos. Sublinha apenas que qualquer alteração tem de ser universal, ou seja, assumida por todos.
Esta seria uma forma de responder à falta de mão-de-obra, que “até agora se tem conseguido tapar com a imigração”, mas não resolve tudo.
Mesmo o plano do governo para a migração é visto com reservas. Vieira Lopes pergunta pelas “medidas para aliviar as 300 ou 400 mil pessoas que neste momento não têm licença e já descontam para a Segurança Social”. Por outro lado, questiona se “a alteração dos vistos prévios não vai causar estrangulamentos num período crítico como o verão”.
Ainda em resposta à falta de trabalhadores, mas também a pensar na sustentabilidade da Segurança Social, a CCP volta a insistir na revisão da Taxa Social Única (TSU), que já tinha sido rejeitada pelo anterior governo.
João Vieira Lopes defende que parte da tributação seja indexada aos resultados e não aos trabalhadores, porque “neste momento, quem sustenta a Segurança Social são as empresas que têm mão-de-obra”. No entanto, “muitas vezes, as empresas mais rentáveis e que têm o maior valor acrescentado até têm poucos trabalhadores, o digital e toda essa área”, explica.
É neste contexto que o comércio defende que “uma componente de financiamento não seja uma TSU indexada à mão-de-obra, mas ao valor acrescentado líquido”, conclui.
Os patróes do comércio pedem ainda a revisão das baixas autodeclaradas, com mais fiscalização e mais limites, porque as faltas ao trabalho aumentaram depois das férias e feriados.
Há ainda outras medidas incluídas no pacote reivindicativo que os patrões do comércio já apresentaram aos ministros setoriais, finanças, economia e trabalho. João Vieira Lopes destaca várias delas nesta entrevista e conta agora discutir possíveis alterações com os restantes parceiros sociais.
Avisa ainda que propostas, mudanças e acordos devem ser feitas na concertação, “não pode ser uma questão mista”. É uma reação à apresentação avulsa de medidas sobre o trabalho.
Nesta entrevista Vieira Lopes alerta também que a execução do PRR no setor está “atrasadíssima”, quando faltam cerca de dois anos para terminar o prazo. Esta é uma situação transversal a todo o tipo de projetos e prende-se com questões burocráticas e funcionais.
São excertos da entrevista do presidente da Confederação do Comércio, João Vieira Lopes, ao programa da Renascença Dúvidas Públicas, que pode ouvir este sábado a partir do meio dia, ou mais tarde no online ou em podcast.