16 fev, 2019
A Associação Sindical dos Juízes vai fazer um estudo para avaliar se sempre é verdade “que os tribunais sofrem de preconceito de género e se são demasiado brandos com o crime de violência doméstica”. A revelação é feita na Renascença pela juíza Carolina Girão.
A percentagem de condenações pela prática do crime de violência doméstica ronda os 7% das queixas. E em 80% das situações, o agressor beneficia de pena suspensa. Elisabete Brasil, da Umar, diz que “a Justiça acaba assim por condenar à reclusão as vítimas, enquanto o agressor beneficia de liberdade”.
“As casas abrigo foram feitas para situações de alto risco, mas acabam por receber por ano três mil mulheres e crianças, que não encontram outra forma de se proteger do agressor”, revela Elisabete Brasil, da União das Mulheres Alternativa e Resposta, no programa Em Nome da Lei deste sábado.
A juíza Carolina Girão admite que o juiz não está obrigado a optar pela pena suspensa, mas defende que “a lei dá um sinal errado ao permitir a suspensão de pena, em crimes com molduras penas até cinco anos de cadeia – o que não acontece com nenhum outro país da Europa com que possamos comparar”.
A penalista Inês Ferreira Leite é contra qualquer alteração à lei em matéria de penas suspensas. Defende que o que “importa é dar formação aos magistrados e às polícias. E apostar mais na triagem, para se perceberem melhor os fatores de risco. A violência doméstica é um dos poucos casos em Direito Penal em que é possível salvar vidas. Porque o agressor dá sinais que a Justiça tem de saber interpretar, para poder impedir o homicídio da vítima e o suicídio do agressor”.
A professora de Direito Penal diz que” um dos problemas está no facto de o Ministério Público centrar toda a investigação no depoimento da vítima, negligenciando a produção de outras provas. Nomeadamente, as provas indiciárias.”
O procurador Miguel Ângelo Carmo reconhece que “a investigação criminal se centra excessivamente no depoimento das vítimas de maus tratos”. O coordenador do grupo de trabalho do ministério público para a definição de uma estratégia contra a violência doméstica garante que” isso vai mudar”.
Daniel Cotrim, da APAV, diz que “não há articulação entre os vários serviços do Estado que intervêm nos processos de violência doméstica, desde o Ministério da Saúde, ao Ministério Público, passando pelas polícias. O que acontece na prática é que as vítimas são empurradas de um sítio para o outro, sem que haja qualquer articulação”.
O psicólogo da APAV afirma que apesar de a lei dar 72 horas para serem decretadas medidas de coação ao agressor e formas de proteção da vítima,” por vezes passam meses. O tempo da Justiça não é o tempo das pessoas. E isso tem de mudar”.
A penalista Inês Ferreira Leite alerta para o impacto que os casos de violência doméstica têm sobre os filhos menores. E diz que também nesse aspeto o comportamento da Justiça tem de mudar.
“Sempre que há uma queixa de violência doméstica, a presunção deve ser a de que os menores estão em risco. Uma criança que é exposta à violência no seio da família vai desenvolver no mínimo stress pós-traumático, mesmo que nunca tenha presenciado diretamente cenas de agressão”, sustenta.
A violência doméstica, que já matou nove mulheres e uma criança desde o início do ano, foi o tema em debate na edição deste sábado do Em Nome da Lei.