25 jul, 2020 • Marina Pimentel
A Comunidade Israelita de Lisboa desafia a ministra da Justiça a visitar os seus arquivos, para confirmar a lisura e transparência do processo de aquisição de nacionalidade por parte dos descendentes dos judeus sefarditas. Um processo alvo de acesa polémica, por causa do elevado número de pedidos e de suspeitas de negócio com os passaportes.
José Ruah, membro da direção, admite que “nunca foram alvo de qualquer inspeção por parte do Ministério da Justiça”, mas garante que” toda a documentação, que é simples e transparente, está disponível para ser consultada pelas autoridades portuguesas, assim elas o queiram.”
São as comunidades israelitas de Lisboa e Porto que certificam os requerentes da nacionalidade portuguesa de que são efetivamente descendentes dos judeus sefarditas expulsos da Península Ibérica, no tempo de D. Manuel I. Está em causa a lei aprovada em 2013, que permite uma aquisição da nacionalidade sem necessidade de provar laços afetivos e efetivos com Portugal. É suficiente a prova da ligação ancestral.
A polémica teve origem no próprio governo, com o Ministro dos Negócios Estrangeiros e a titular da Justiça a admitirem o negócio com passaportes portugueses. Santos Silva chegou mesmo a admitir no parlamento existirem campanhas de ”black friday“ que menorizam a reputação internacional do país”.
A Associação Transparência e Integridade acusa o Estado português de” fazer negócio à custa da soberania”. O presidente da direção defende que ”não são só os vistos gold (embora neste caso a situação seja mais grave), também a concessão da nacionalidade aos descendentes dos sefarditas revela uma lógica mercantil”.
João Paulo Batalha explica que “não está em causa o objetivo meritório de se fazer a reparação de uma injustiça histórica, mas o facto de não haver qualquer fiscalização”. Defende, por isso, que Portugal “deveria seguir o exemplo espanhol”, que fechou o processo em 2019.
A própria ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, chegou a admitir “uma janela de oportunidade de cinco anos”, após o que o direito seria extinto. No entanto, essa solução implicaria mexer na Lei da Nacionalidade, o que teria de ser feito pela Assembleia da República.
O que acontece é que o próprio partido que está na origem da lei de 2013 reconheceu que havia um problema e quis apertar os critérios para a atribuição da nacionalidade aos descendestes dos judeus sefarditas, exigindo, num primeiro momento, dois anos de residência em território português e, numa segunda versão da proposta, uma ligação efetiva e afetiva a Portugal.
No entanto, a proposta da deputada Constança Urbano de Sousa foi contestada por alguns “históricos” do partido e acabou por haver um novo recuo do PS, concretizado pela retirada da proposta e a subsequente aprovação em sede de comissão parlamentar de uma nova proposta que remete para o Governo a regulamentação da legislação relativa aos descendentes dos sefarditas.
A Renascença pediu esclarecimentos ao gabinete da ministra da Justiça quanto à forma como tenciona proceder a essa regulamentação, mas não recebeu qualquer informação.
Pelo caminho ficou também uma proposta do PSD, que, segundo lembrou a deputada Lina Lopes, “até foi inspirada numa solução apresentada pela Comunidade Israelita do Porto” e que “condicionava a atribuição da nacionalidade aos descendentes de sefarditas à condição de serem proprietários de casa em Portugal há mais de três anos, ou detentores de autorização de residência, ou de visitarem regularmente o país, ou de terem prestado altos serviços ao país ou aos portugueses”.
A Comunidade Israelita em Lisboa desvaloriza a polémica. José Ruah afirma que as concessões de nacionalidade a descendentes de judeus sefarditas “são uma gota de água”. Admite que os pedidos são muitos, mas” os passaportes atribuídos ao longo de cinco anos não foram além dos 17 mil.”
José Ruah diz que ”a comunidade israelita em Lisboa nunca registou nenhum problema” com a aquisição de nacionalidade e não percebe por isso tanta celeuma. Admite que” não pode dizer quantos dos que pediram a nacionalidade investiram ou estão a residir em Portugal”, mas garante que “conhece vários casos de investimentos na área agrícola, nomeadamente no Algarve”.
Defende que, “graças à legislação dos sefarditas, Portugal tem hoje uma perceção positiva junto das comunidades judaicas de todo o mundo”. Isso, “além das repercussões sobre o fluxo de turistas de Israel para Portugal”. José Ruah diz que “antes de 2016, esse turismo nem sequer aparecia nas estatísticas. Hoje, representa mais de 200 mil pessoas por ano”.
Declarações ao programa de informação da Rádio Renascença “Em Nome da Lei”, que, este sábado, debateu as normas da lei da nacionalidade, que garantem aos descendentes dos judeus sefarditas o passaporte português que lhes permite viajar e fixar residência em qualquer país da União Europeia.