05 dez, 2020 • Marina Pimentel
A Associação Sindical dos Juízes reconhece que “existe um problema” no Tribunal Central de Instrução Criminal, por onde passam a maior parte dos processos de corrupção. Em causa, o facto de estarem colocados no chamado “Ticão” apenas dois juízes: Carlos Alexandre e Ivo Rosa.
O presidente da associação diz “não fazer sentido haver um tribunal praticamente privativo de um departamento do Ministério Público”, o DCIAP, que investiga a criminalidade violenta, económico-financeira altamente organizada ou de especial complexidade.
Manuel Soares admite haver “um excesso de proximidade” entre o órgão que investiga o crime - e que para o fazer precisa de fazer buscas, escutas telefónicas ou detenções preventivas -, e o juiz que pode autorizar esses atos ofensivos das liberdades de quem está a ser investigado mas que não está ainda condenado. Um tribunal desta natureza, explica Manuel Soares “que é um tribunal das liberdades e o órgão onde ocorre a necessidade de ofender essas liberdades podem ter uma proximidade excessiva, mas pode diluir-se aumentando o quadro de juízes”.
Reconhece que está instalada na opinião pública a ideia de que Carlos Alexandre é muito próximo do Ministério Público, enquanto Ivo Rosa desvaloriza a prova recolhida pelos procuradores. Para o presidente da Associação Sindical dos Juízes “seria muito mau” se essa perceção de que um é o juiz da acusação e o outro o da defesa correspondesse à realidade.
Manuel Soares diz a composição do Tribunal Central de Instrução Criminal” é um problema politicamente sensível “e, por isso, a questão nunca foi resolvida”. O partido que avançasse com a iniciativa legislativa seria logo acusado de estar a querer partir a espinha a um órgão que tem dado provas no combate à criminalidade económica. Por isso, são os juízes a avançar com a proposta de mexer na composição do tribunal, alargando de dois para seis o quadro de juízes.
A proposta consta de um documento que a Associação Sindical dos Juízes apresentou à Ministra da Justiça, no âmbito do debate público sobre a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e que fizeram também chegar aos partidos políticos com representação parlamentar. Manuel Soares defende que qualquer alteração tem de ser feita antes do juiz Ivo Rosa anunciar quem leva a julgamento, no Processo Marquês. “O momento ideal é agora”, defende.
Embora preferindo a opção pelo alargamento do quadro de juízes, a Associação Sindical dos Juízes não se opõe a que a opção do legislador seja a integração de Carlos Alexandre e Ivo Rosa no Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa.
Essa é a solução defendida pelo advogado Paulo Sá e Cunha. O penalista defende “a extinção do Ticão” e contesta que um juiz como Carlos Alexandre possa estar há 14 anos no mesmo lugar. Defende que “deveria ser imposto um limite temporal à permanência dos juízes no mesmo tribunal”, mas admite que a solução não é consensual nem bem recebida pela classe dos juízes.
O jornalista do Observador Luís Rosa entende que “a extinção de um tribunal que tem dado provas no combate à corrupção seria um péssimo sinal que seria dado à opinião pública”. Discorda também que este seja o timing para resolver os eventuais problemas de funcionamento do tribunal. “O que quer que se decida, entretanto, estando iminente a decisão sobre o pronunciamento ou não de José Sócrates, será sempre interpretado como um favor a alguém”.
Luís Rosa rejeita a extinção do tribunal por onde passam os crimes económicos de maior complexidade, mas já considera que “faz sentido a proposta da Associação Sindical dos Juízes de alargamento do quadro de juízes e também das suas competências”.
São declarações ao programa de informação da Renascença Em Nome da Lei que é emitido aos sábados ao meio-dia e à meia-noite.