12 fev, 2022 • Marina Pimentel
Portugal pode ter de enfrentar seca todos os anos, admite Joaquim Poças Martins. O antigo secretário de Estado do Ambiente e consultor internacional de gestão da água explica que há uma mudança de paradigma. Temos de nos preparar para cenários de seca muito mais frequentes.
“Estamos habituados a secas de dez em dez anos. A nova normalidade vai ser termos secas de três em três, de dois em dois, ou até anualmente. Portanto, não faz nenhum sentido continuarmos a dar as mesmas respostas, quando mudaram as perguntas”, afirma Joaquim Poças Martins, no programa “Em Nome da Lei” da Renascença.
O também secretário-geral do Conselho Nacional da Água, embora fale a título pessoal, defende que Portugal tem tratado até agora o problema da seca como uma situação de emergência, mas é preciso uma nova abordagem.
“Emergência foi o que aconteceu no terramoto de Lisboa. Não são as secas. O que nós agora temos é de viver com a normalidade possível neste contexto”, sublinha.
O especialista em gestão da água elogia a intervenção feita nos anos 90, “graças à qual a seca não chega hoje às torneiras”. Por mais escassa que seja a chuva, a água continuará a ser fornecida pela rede pública. E a este propósito, defende que “os portugueses estão sensibilizados para o problema da escassez e têm consumos razoáveis e que estão dentro da média europeia”.
É no entanto necessário continuar a combater o desperdício. Foi feito um investimento de 500 milhões de euros na renovação dos sistemas de abastecimento para dar mais qualidade à água, mas também para reduzir as fugas.
A Comissão Permanente da Seca anuncia as decisões (...)
Poças Martins refere que “ainda há desperdício no abastecimento público em média de 30%, dos quais metade serão perdas reais e o restante perdas de faturação. Mas há municípios onde as perdas chegam aos 80%, das quais 50% é água fisicamente perdida”.
Distanciando-se da visão otimista sobre o comportamento dos portugueses em relação ao consumo de água, o ambientalista Joanaz de Melo concorda com Poças Martins quanto ao problema do desperdício.
O engenheiro do ambiente considera “trágica a forma como continuamos a desperdiçar água”. E defende que “temos um problema de alterações climáticas que vão agravar-se e não apenas de uma maior irregularidade na queda de chuva”.
Joanaz de Melo adianta que a associação ambientalista de que faz parte, o Geota, prevê “quebras na pluviosidade entre os 10% e os 40%, que se traduzem depois em disponibilidade de água nos rios com quebras que podem oscilar entre os 20% (cenário mais otimista) e os 50% (cenário mais pessimista)”.
A agricultura é o setor mais afetado pela escassez de chuva. O presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), Eduardo Oliveira e Sousa, diz que, “além das forragens e das pastagens que estão numa situação quase dramática, também a realidade das culturas de cereais é de crise”.
“O trigo, a aveia ou o centeio”, diz Eduardo Oliveira e Sousa, “estão manifestamente a passar muito mal e na iminência de uma não recuperação, a solução é Bruxelas autorizar que essas culturas possam servir de alimento para o gado”.
ENTREVISTA
Vinte anos depois de ter começado a encher, Alquev(...)
O presidente da CAP critica a Comissão Permanente da Seca, criada pelo Governo, que acusa de se limitar a fazer relatórios, sem apresentar medidas. Reclama ações concretas, em função da gravidade da seca.
“O país está com seca severa aqui, sim senhora, então os agricultores desta região, os autarcas, os habitantes desta região, têm de entrar neste esquema. Isso tem de ser feito e não é feito. E a tal comissão de medidas e mitigação contra a seca limita-se a preencher formulários para obtenção de dados. Ou seja, é um conjunto de informações. Falta-nos a outra parte. Faz o diagnóstico, mas depois não propõe medidas. E agora andamos de joelhos a pedir ajuda ao Ministério da Agricultura”.
Além dos apoios aos agricultores, o presidente da CAP diz que é preciso criar transvases que levem a água de onde ela existe para onde é necessária.
Defende também soluções como a dessalinização da água do mar e o tratamento das águas residuais. Opções há muito tomadas por outros países e que só agora começam a ser equacionadas em Portugal.
O vice-presidente da Agência Portuguesa do Ambiente, José Pimenta Machado, garante que o Algarve terá em funcionamento em 2025 a primeira central de dessalinização do Continente. Uma obra com custo estimado de 45 milhões de euros e com financiamento garantido pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).
“O concurso já foi lançado, vamos agora pela primeira vez instalar uma grande central de dessalinização. Nunca antes tinha sido feito”, sublinha Pimenta Machado. E estamos também a apostar numa coisa que é muito relevante que são as águas das Etars. Vamos usar essas águas tratadas, com ligeira afinação, para usos não potáveis, por exemplo para o regadio. Ainda ontem tive uma reunião na Câmara de Lisboa e com a Tejo Atlântico, para que essa água residual seja usada, quer para regar os jardins do Parque das Nações. São 1.200 metros cúbicos de água”.