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Corrupção. Juízes pedem correção rápida de normas “com potencial destrutivo enorme”

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Corrupção. Juízes pedem correção rápida de normas “com potencial destrutivo enorme”

01 abr, 2022 • Marina Pimentel


“O Parlamento tem de reconhecer o erro e corrigi-lo”, defendem juízes e magistrados do Ministério Público na Renascença. Em causa, três das medidas aprovadas no final da última legislatura. “Daqui a um ano podemos estar a discutir neste programa o descalabro que aconteceu”.

A Associação Sindical dos Juízes e o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público vão pedir à ministra da Justiça e aos grupos parlamentares que revejam três das normas aprovadas no chamado “pacote anticorrupção”.

Em declarações ao programa Em Nome da Lei, o presidente da Associação Sindical dos Juízes, Manuel Soares, diz que “o Parlamento tem de reconhecer o erro e corrigir a asneira que fez. Com carácter de urgência”.

Estão em causa três das medidas aprovadas no final da última legislatura, no âmbito da Estratégia Anticorrupção. Medidas que, segundo Manuel Soares, “nada acrescentam ao combate a esse tipo de crime. E, pelo contrário, têm um potencial destrutivo enorme.”

Uma das normas que é preciso reverter é a que alarga os impedimentos dos juízes, para fazerem o julgamento ou a instrução, depois de na fase de inquérito terem praticado atos, como a autorização para a realização de buscas ou escutas.

Manuel Soares espera que a medida seja revogada, “caso contrário, daqui a um ano podemos estar a discutir neste programa o descalabro que aconteceu”.

“Não tenho nenhuma dúvida: ou isto é corrigido rapidamente – e não é só o artigo 40.º do Código de Processo Penal, são mais duas normas com um potencial destrutivo enorme – ou de facto nós vamos ter o caos no sistema de Justiça”, afirma, deixando um aviso: “os processos pendentes, desde o mais pequenino ao maior, não vão escapar a esse marmoto que vem aí com as alterações do artigo 40.º”.

“Há um dano que já não se vai recuperar, que diz respeito aos processos que estão pendentes e em que a aplicação das novas regras naturalmente vai depender da decisão de cada juiz, em cada processo, e da forma como os advogados impulsionarem esses mecanismos, e dos recursos e das decisões dos tribunais superiores”, diz.

Composição dos tribunais coletivos penais

Além da norma que alarga os impedimentos dos juízes que intervieram na fase de inquérito para dirigirem a Instrução ou o julgamento, para decidirem num recurso ou num pedido de revisão do processo, o presidente da Associação Sindical dos Juízes alerta para a confusão gerada com as alterações feitas em matéria de composição dos tribunais coletivos penais na Relação e Supremo.

“Foi feita uma lei. Ninguém sabe como vai ser aplicada. Eu tenho uma opinião sobre ela. Outras pessoas têm outra. A lei é tudo menos clara e, portanto, o que vai acontecer é que o Supremo vai fazer de uma maneira, a Relação de Lisboa doutra, a Relação de Évora doutra… Estou a falar dos coletivos penais dos tribunais superiores poderem ter três juízes e não dois. E tendo três, se é o presidente da secção ou um terceiro juiz. Ninguém se entende. A lei está mal feita. Tem de ser clarificada”, critica.

E as sociedades só com um sócio?

Outra norma a precisar de clarificação urgente diz respeito aos crimes praticados por sociedades em que o gerente também seja arguido. Pelas novas regras, o gerente que também é arguido está impedido de representar a sociedade em tribunal. “Mas o que fazer então no caso das sociedades que só têm um sócio?”, pergunta Manuel Soares.

“O legislador esqueceu-se que muitas sociedades só têm um sócio. Quem é que vai representar essas sociedades em julgamento? É o notário? É o funcionário judicial? Isto vai paralisar duma forma inaceitável e caótica um conjunto de investigações que estão em curso, nomeadamente em matéria de crimes fiscais”, aponta o presidente da Associação Sindical dos Juízes.

“Um absurdo”, dizem Magistrados do Ministério Público

O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público subscreve todas e críticas e alertas feitos pelos juízes e promete também fazer chegar o pedido de revogação das normas à Assembleia da República e ao Governo.

Adão Carvalho considera um absurdo a norma das sociedades face à realidade do nosso tecido empresarial.

“Não podendo quem é arguido ser representante da sociedade, tendo nós um tecido societário que é constituído sobretudo por sociedades por quotas, em que há uma confusão entre quem é o gerente e quem é o titular das quotas, o que é que vai acontecer? No fundo, a sociedade vai ter de indicar um representante que será uma pessoa completamente estranha à própria sociedade. Não sei se será indicado o padeiro ou o dono do café mais perto”, ironiza o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público.

Bastonário dos Advogados faça em “verdadeiras aberrações”

O bastonário da Ordem dos Advogados considera que todo o processo relativo à Estratégia Nacional Anticorrupção foi mal conduzido.

O Governo apresentou um documento cheio de generalidades e depois, à última hora, sem ouvirem ninguém, PSD e PS negociaram medidas, algumas das quais “verdadeiras aberrações”. A começar pelo alargamento dos impedimentos dos juízes. Menezes Leitão revela que “a lei ainda não tinha sido aprovada e já estava a receber no escritório notificações de juízes a declararem-se impedidos. Notificações dizendo ‘a lei vai entrar em vigor para a semana e eu declaro-me já impedido e peço que o processo seja redistribuído’. Isto está a acontecer de uma forma geral”, conclui Menezes Leitão.

São declarações ao programa de informação Em Nome da Lei, emitido aos sábados, logo a seguir ao meio-dia. É ainda possível ouvir todo o programa nas habituais plataformas de podcast ou no agregador da Renascença, o Popcast.

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