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Em Nome da Lei
O direito e as nossas vidas em debate. Um programa da jornalista Marina Pimentel para ouvir sábado às 12h.
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A realidade invisível dos filhos das detidas em Portugal

Em nome da Lei

A realidade invisível dos filhos das detidas. Crianças que saem das cadeias estão em risco?

28 mai, 2022 • Marina Pimentel


Vivem com a mãe em estabelecimentos prisionais e são entregues às famílias quando atingem os cinco anos. A juiz conselheira Leonor Furtado alerta que muitas destas crianças são entregues sem supervisão do Ministério Público ou da Segurança Social.

Vivem nas cadeias portugueses 27 crianças, entre os dois meses e os três anos, que estão junto das mães, detidas nos estabelecimentos prisionais de Tires e Santa Cruz do Bispo. Mas a lei só permite que possam ali viver até aos cinco anos.

A juiz conselheira Leonor Furtado alerta para a situação de risco em que essas crianças ficam quando são obrigadas a deixar o ambiente prisional para irem viver com a sua família, que na prática não conheceu. Tudo sem supervisão do Ministério Público ou da Segurança Social.

Este é o tema em debate na edição desta semana do “Em Nome da lei”, onde fica claro que esta não tem sido uma prioridade para o poder político.

Em declarações ao programa, Leonor Furtado questiona o que acontece a essa criança quando chega aos três, quatro anos? “Sai da cadeia e vai para um agregado familiar que não conhece e essa é a grande questão. Tanto quanto eu sei, não existe qualquer acompanhamento dessa situação; não há qualquer supervisão”. A juiz do Tribunal de Justiça defende que essas “crianças reclusas” deviam ser todas submetidas a medidas de promoção e proteção.

Também o juiz desembargador Paulo Guerra lembra que que a promoção e proteção é um direito de qualquer criança que se encontre numa situação de risco. “Deve abrir-se um processo até para acompanhar também lá dentro a vida daquela criança. Uma criança pode estar a vivenciar uma situação de perigo, lá dentro da prisão, ou porque a mãe não lhe dá os bons tratos necessários ou pelo simples facto de estar cerceada da liberdade. Uma criança nesta condição antinatural está em risco.”

O desembargador no Tribunal da Relação de Coimbra reconhece a importância da proximidade entre mãe e filho, mas adverte que a experiência pode ser traumática numa fase da vida fundamental para a formação da personalidade e fala em “estudos que demonstram que essas crianças - criadas nos primeiros anos de vida em ambiente prisional - revelam dificuldades cognitivas”.

A conselheira Leonor Furtado vai mais longe e afirma que, “sem acompanhamento e proteção, e com fortes hipóteses de serem entregues a uma família disfuncional, os filhos das reclusas acabam por reaparecer no sistema em situação de risco ou mesmo já como condenados pela prática de crime”.

70% dos filhos dos detidos acaba por cair no crime

A este propósito, Luís Gagliardini Graça, presidente da Associação de Reinserção Social Confiar, revela que 70% dos filhos dos detidos acaba por cair no crime.

Sabe-se muito pouco sobre o que se passa no sistema prisional. E menos ainda sobre a situação das crianças que vivem com as mães na cadeia ou que, sendo mais velhas, visitam na prisão os pais detidos.

A socióloga Rafaela Granja adverte que “se sabemos quantas crianças estão na cadeia com as mães já não fazemos a mínima ideia de quantas são as que estão cá fora, mas têm os pais detidos. O desconhecimento estatístico é revelador do abandono a que os poderes públicos têm votado o problema. Se nós não conhecemos a amplitude e a complexidade do fenómeno, nunca o conseguiremos monitorizar e tratar”.

Fala ainda nas dificuldades dos filhos em visitarem os pais nos estabelecimentos prisionais, pela distância, pelo custo da deslocação, e pelas poucas visitas que desde o Covid são autorizadas.

A socióloga, que tem estudado as relações familiares em meio prisional, fala na ironia de “o sistema providenciar visitas íntimas, que permitem ao casal estar junto durante três horas, mas nada de específico está previsto visita específica para os filhos”.

A socióloga da Universidade do Minho lembra que houve um projeto piloto em algumas cadeias portugueses para proporcionar salas próprias para os detidos receberem as visitas dos seus filhos até aos 18 anos na cadeia, com ambientes mais favoráveis para as crianças, e onde era possível alhearem-se do meio em que estavam. Foi concluído em julho de 2009, mas não teve qualquer continuidade.

Por seu turno, o presidente da Confiar alerta para a dificuldade de um detido homem manter um relacionamento com os filhos enquanto está na cadeia, porque só os estabelecimentos prisionais para mulheres têm condições para ter as crianças junto do seu progenitor. Embora o Código de Execução de Penas, reconheça o direito aos detidos de terem junto de si os filhos até aos três anos, no máximo até aos cinco, na prática são apenas as mulheres a beneficiar desse direito.

A conselheira Leonor Furtado sublinha que em Portugal não existem estudos sobre a matéria e o tema não é sequer abordado publicamente.

A Conferência internacional que vai realizar-se em Cascais no próximo dia 2 - e que o programa Em Nome da Lei antecipa - é o primeiro debate público sobre a matéria já realizado em Portugal.

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