10 jun, 2022 • Marina Pimentel
O Presidente da República vai remeter para o Tribunal Constitucional (TC) o diploma que despenaliza a morte medicamente assistida. O constitucionalista Jorge Pereira da Silva considera” inevitável” a fiscalização preventiva da constitucionalidade, uma vez que os deputados mexeram em três dos conceitos que são condição necessária para se poder recorrer à morte e ao suicídio medicamente assistidos. Um deles é exatamente o que impunha o critério da doença fatal.
As várias alterações feitas na formulação dos conceitos de “doença grave e incurável”, “lesão definitiva de gravidade extrema” e “sofrimento de grande intensidade” exigem uma apreciação de constitucionalidade da parte do TC.
O professor da Universidade Católica lembra que “aquilo que suscitou a declaração de inconstitucionalidade do Constitucional foi a expressão gravidade extrema. E agora não aparece junto da doença incurável, mas aparece apenas doença grave, ou seja, se gravidade extrema não foi suficiente para que o conceito passasse no TC, por maioria de razão doença grave também não será”.
A deputada socialista Isabel Moreira admite que o Presidente da República, no âmbito dos seus poderes, vete politicamente o diploma ou decida remetê-lo para o Tribunal Constitucional, mas rejeita a ideia de que o projeto de despenalização da morte medicamente assistida alargue as possibilidades de recurso à eutanásia e ao suicídio assistido.
Afirma que doença fatal nunca significou no espírito do legislador morte iminente e defende que no projeto anterior - vetado pelo Presidente da República – “a doença fatal não estava incluída entre os preceitos juridicamente vinculativos”.
A deputada, que é primeira subscritora do projeto socialista, argumenta que a despenalização da morte medicamente assistida não constou dos programas eleitorais do PS de 2015,2019 e 2022, porque “há no partido a posição de apenas colocar nos programas eleitorais as questões em que há disciplina de voto, não para as questões de consciência, em que há liberdade de voto”.
Isabel Moreira reconhece as fragilidades da rede de cuidados paliativos, defendendo, no entanto, que é errado misturar o tema com o da eutanásia.
“Mesmo que a rede abrangesse 100% do país, continuaria a fazer sentido legalizar a eutanásia”, porque há situações de sofrimento que não conseguem ter resposta nos cuidados paliativos.
Uma argumentação contestada por Jorge Pereira da Silva, para quem os cuidados paliativos também fazem parte da discussão sobre a morte medicamente assistida, “porque o princípio da livre determinação, pressupõe a liberdade de escolha”, o que não é possível quando a eutanásia é a única alternativa ao sofrimento extremo.
Para o Bastonário da Ordem dos Médicos, o acesso aos cuidados paliativos devia ser considerado um direito fundamental, mas lembra que “isso não acontece porque só 20% das pessoas, segundo os dados que estão publicados, têm acesso aos cuidados paliativos”.
Miguel Guimarães sublinha que a eutanásia, genericamente aprovada pelos deputados, “não é um ato médico”. Embora reconheça que haja médicos que já disseram estar dispostos a fazê-lo, conta o caso de dois doentes incuráveis, que foram seguidos por colega, que “num primeiro momento pediram a eutanásia, mas depois acabaram por mudar de ideias. Um caso que reflete a complexidade do processo de formação da vontade do doente”.
A professora de bioética Ana Sofia Carvalho mostra-se chocada com o facto de o Parlamento ter aprovado na generalidade a eutanásia um dia depois de ter sido conhecido um relatório, que dá conta que 25% dos doentes oncológicos não conseguiu ter cirurgias a tempo para permitir fazer face a um problema grave.
“São doentes que provavelmente já estão metastizados e, portanto, já não vão poder fazer a cirurgia, doentes que possivelmente vão ter necessidade de cuidados paliativos que não existem, que vão ter de marcar consultas com o médico de família que não conseguem. Vão estar nesta situação de desgaste gravíssimo”.
A professora da Universidade Católica do Porto está preocupada com o facto de o texto dos quatro projetos que baixam à comissão da especialidade, onde devem ser fundidos num só texto, ter deixado cair o conceito de doença fatal, o único conceito que pressupunha alguma determinabilidade e que limitava a eutanásia e o suicídio aos doentes em situação terminal.
São declarações ao programa de informação da Renascença Em Nome da Lei que é emitido aos sábados, logo a seguir ao meio-dia e que está também disponível nas habituais plataformas de podcast ou no agregador Popcast.