02 jul, 2022 • Marina Pimentel
Em declarações ao programa “Em Nome da Lei”, o psicólogo clínico forense Mauro Paulino diz que “perante o que está a ser avançada na Comunicação Social, existem efetivamente um conjunto de fatores de risco, que estão documentados em literatura da especialidade sobre maus tratos infantis , que levantam algumas reservas sobre aquilo que efetivamente poderia ter sido feito.”
Um desse fatores , defende Mauro Paulino, a ser verdade tudo o que vem nas notícias, é que esta progenitora não foi capaz de cuidar de outros filhos. E se não foi capaz de cuidar de outros filhos, que lhe foram retirados ou para acolhimento residencial ou para uma resposta familiar, não podemos esperar que por ter mais um filho de um dia para o outro vão brotar competências de cuidado, de afeto ou de vinculação, que não estavam no passado”.
O psicólogo clínico forense admite que a falta de meios e a pandemia podem ter levado os técnicos que seguiram o caso de Jéssica a optar por formas de avaliação à distância, nomeadamente através do telefone, não visitando as vezes suficientes o agregado familiar, como devia acontecer.
”Eventualmente a sobrecarga que muitos técnicos enfrentam faz com que desconsiderem alguns sinais de risco ou fatores de risco que eventualmente sejam mais preponderantes. E se substitua uma monotorização de proximidade ,e com a pandemia isso se calhar ainda se exacerbou mais, por um acompanhamentos por telefone. Uma das coisas que a psicologia forense tem mostrado, no âmbito da família e das crianças, é que há uma questão que é transversal e que se chama desejabilidade social. Estas pessoas, perante os técnicos, vão tentar passar a imagem dos melhores pais possíveis, das melhores mães, das melhores avós. E isto tem de ser acompanhado, avaliado, monitorizado com visitas ao agregado familiar, sem aviso prévio”, diz, à Renascença.
A Procuradora-Geral Regional de Lisboa, Helena Gonçalves, reconhece a falta de meios humanos no Ministério Público, a quem as comissões de proteção entregam os processos das crianças em perigo, sempre que os pais não aceitam voluntariamente as medidas de promoção e proteção propostas: “Não pode pretender-se um Ministério Público completamente focado, como deve estar, em todos os processos ,e se olharem para as estatísticas e atenderem aos milhares que existem ,perceberão que a realidade em termos de magistrados do MP, designadamente na área de família e crianças, é deficitária”.
Mesmo que tivessem muitos meios, as autoridades responsáveis por proteger as crianças, nunca conseguiriam detetar todas as situações de risco. A presidente da Comissão Nacional de Promoção de Direitos e de Proteção das Crianças e Jovens em Risco defende que toda a sociedade tem de estar alerta e denunciar todos os casos de que tenha conhecimento.
Mesmo não tendo a certeza sobre a situação, é preciso denunciar ,defende Rosário Farmhouse: ”Há pais que conseguem representar de tal maneira que se não há alguém que está próximo, e que dê outra informação, é muito difícil avaliarmos a situação de risco. Portanto é muito importante a comunidade estar atenta e denunciar, nomeadamente através da Linha Crianças em Perigo-961231111”.
Rosário Farmhouse sublinha que ”comunicar uma situação de perigo é acima de tudo um ato de amor para com aquela criança, um ato que pode fazer a diferença na vida daquela criança”.
O juiz desembargador Paulo Guerra adianta que “se sente surpreendido por constatar que as próprias escolas hesitam por vezes em denunciar casos de abuso sexual entre alunos” .Lembra que ,face à lei, “sempre que tivermos conhecimento de que uma criança está em risco na sua vida, na sua integridade física ou psíquica ou na sua liberdade, somos obrigados a denunciar” a situação às autoridades.
Paulo Guerra defende que é preciso uniformizar critérios na valoração da gravidade das situações de risco .Sugere um guia, como o que foi criado em Espanha, na Andaluzia, para que avaliação do risco não fique dependente dos critérios subjetivos de cada técnico. ”Vamos nivelar as situações de risco para que não fique na avaliação subjetiva daquela técnica A ou daquele técnico B se aquela menina ou aquele menino estão de facto a viver uma situação de risco que pode depois passar a perigo.”
Para que se tirem lições sobre o que falhou no processo que terminou com a morte de Jéssica, a menina de 3 anos de Setúbal, o juiz Paulo Guerra admite que o Governo crie ,à semelhança do que fez para a violência doméstica, um grupo de análise retrospetiva aos crimes praticados contra as crianças.
São declarações ao programa Em Nome da Lei, emitido aos sábados, ao meio dia, na Renascença, e sempre disponível nas plataformas de podcast.