16 jul, 2022 • Marina Pimentel
Todas as entidades ligadas à aviação civil foram apanhadas de surpresa com o volume de procura de voos que se está a registar, admite Rosário Macário, professora no Técnico com uma carreira de mais de 40 anos ligada ao setor da aviação.
Em declarações ao programa Em Nome da Lei da Renascença, a economista afirma que “ninguém estava à espera que essa retoma se antecipasse dois anos”.
“Todas as projeções que tínhamos da retoma, indústria, organizações internacionais e nós mesmo investigadores, nunca em nenhuma das projeções se admitiu que a retoma fosse em 2022. As projeções mais otimistas apontavam para a retoma no final de 2023, início de 2024”, sublinha Rosário Macário.
A economista defende que o caos que se vive nos aeroportos resulta dos despedimentos que foram feitos durante a pandemia, e que podem ter chegado aos 20% a 30% dos trabalhadores”.
“É uma situação muito complicada que decorre de quase dois anos de pandemia. O que aconteceu foi que muitas companhias despediram muito pessoal. Agora, querem contratar e não conseguem, porque não podem voltar a contratar os trabalhadores que despediram e outros optaram entretanto por outras profissões”, sublinha.
Segundo Rosário Macário, há uma agravante nesta crise na aviação civil: “no setor há profissões, como a dos pilotos, que exigem licenças e muitas horas de voo. Mesmo que a decisão seja amanhã vou contratar 100 pilotos, e esses 100 pilotos estejam disponíveis, eles não vão estar operacionais nem amanhã nem depois de amanhã”.
A especialista em aviação civil admite que a situação de caos nos aeroportos europeus “vai manter-se até ao final do ano”.
Rosário Macário reconhece os problemas estruturais do aeroporto de Lisboa e lamenta que se adie há 50 anos (quando se fez o primeiro estudo) a decisão sobre o novo aeroporto.
A consultora e professora do Técnico defende que isso só se explica pela incapacidade do país em tomar decisões de longo prazo e pela politização em torno da procura de alternativas.
Defende que a solução passa por construir dois aeroportos, tal como defendeu o ministro Pedro Nuno Santos. “Montijo e Alcochete não são alternativas. É preciso que isto fique bem claro. Montijo é uma solução de curto prazo, que permite evitar que Lisboa recuse tráfego nos anos imediatos, e pode vir a ser depois um aeroporto low cost . Mas a solução de longo prazo é Alcochete”.
André Teives, do Sindicato dos Técnicos de Handling dos Aeroportos, discorda de soluções provisórias.
Defende que se avance, quanto antes, para um novo aeroporto em Alcochete, porque a Portela não dá qualquer margem de manobra.
“Toda esta disrupção que se fala nos media nasceu no dia 1 de julho, quando a pista do aeroporto de Lisboa, a única, foi encerrada porque um jato privado rebentou um pneu e interditou a pista durante duas horas. Isso gerou de imediato que 25 voos, só da TAP, divergiram para outros aeroportos, afetando diretamente cinco mil passageiros. É disto que estamos a falar. Estamos a fazer tudo à pele. Não há, por exemplo, forma de fazermos voos extra, porque para isso precisamos de slots ,de aviões e de pessoas”, explica André Teives.
Quanto às bagagens acumuladas no aeroporto de Lisboa, André Teives diz que na base está a falta de investimento. Temos no mais importante aeroporto do país um sistema que “foi abandonado até pelas ilhas Canárias, por ser ineficaz”, afirma.
O jurista da Deco, Paulo Fonseca, diz que os passageiros se sentem hoje em dia tratados como consumidores low cost.
“Estamos a criar cada vez mais esta lógica de acessibilidade aos passageiros, de poderem viajar mais, mas ultimamente tem havido um corte sobretudo nas respostas e na garantia dos seus direitos”, afirma o jurista.
Um dos direitos mais importantes dos passageiros, defende Paulo Fonseca, e que falha com frequência, é o de assistência; ou seja o direito a que sejam pagas refeições, bebidas e alojamento, sempre que haja cancelamentos ou atrasos significativos dos voos, e mesmo quando não seja devida indemnização, por na origem terem estado circunstâncias extraordinárias, como uma greve.
A reclamação mais comum são os atrasos nos voos. Neste caso, além do direito à assistência, e tratando-se de um atraso considerável, o passageiro pode exigir à companhia o reembolso do bilhete e uma indemnização cujo valor depende do tipo de voo, da distância do mesmo e do tempo de atraso.
Se o voo chegar ao destino final com um atraso de três horas ou mais, o passageiro tem direito a uma indemnização que varia entre os 250 e os 600 euros.
São direitos garantidos pela legislação europeia quando o voo é feito por uma companhia europeia ou , não sendo, se a origem ou o destino do voo for um aeroporto da UE. Mas a fiscalização falha.
A Deco admite que recebe queixas de passageiros que não foram resolvidas pela ANAC, que é o organismo responsável pela aplicação dos direitos dos passageiros.
“Existe um mecanismo disponível para os passageiros que é o livro de reclamações, e esse livro também já é disponibilizado eletronicamente, que permite à ANAC receber também as reclamações. E esses passageiros muitas vezes quando nos chegam a nós, não tiveram antes resposta por parte da ANAC, muitas vezes a resposta da transportadora não é a adequada, e pior do que isso não conseguiram resolver o seu conflito através do mecanismo de resolução alternativa de litígios”, diz o coordenador da equipa jurídica da Deco.
Paulo Fonseca, da Deco, Rosário Macário, professora do Técnico e especialista em transportes e André Teives, do Sindicato dos Técnicos de Handling dos Aeroportos, foram os convidados deste sábado do Em Nome da Lei.
Foram ainda convidados a TAP, a ANA - Aeroportos, a Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC) e a Provedora do Cliente das Agências de Viagem e Turismo. Mas nenhuma destas entidades aceitou o convite do Em Nome da Lei para participar no debate sobre os direitos dos passageiros em contexto de caos nos aeroportos europeus.
O Em Nome da Lei é emitido todos os sábados ao meio-dia, e está sempre disponível nas plataformas de podcast.