30 set, 2022 • Marina Pimentel
Uma descida do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (IRC) apenas para as empresas que tenham aumentado os vencimentos dos seus trabalhadores e reduzido a disparidade salarial "é mais uma mão cheia de nada”. Para Paulo Núncio, o antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e dirigente do CDS, a proposta que o Governo apresentou aos parceiros sociais “é uma interferência na vida das empresas e não terá qualquer impacto na competitividade da economia”.
Se o Governo se limitar a baixar o imposto às empresas que tenham subido os salários, “Portugal continuará a ter a taxa de IRC mais alta da Europa, o que levanta problemas sérios de competitividade e desenvolvimento económico”.
Paulo Núncio admite que “a descida do IRC não é o único instrumento para apoiar as empresas”, neste contexto de crise energética e subida dos preços das matérias-primas. Mas lembra que “todos os países que ultrapassaram Portugal em termos de crescimento do PIB têm taxas de IRC muito mais baixas do que as nossas”.
O centrista lembra o acordo que foi feito em 2014 pelo Governo de coligação PSD-CDS com o PS -- “pacto que António Costa depois rasgou” e que previa uma descida do IRC dos 21 para os 17%. O antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais defende que uma descida do IRC não representa necessariamente uma quebra de receitas para o Estado. E dá como exemplo o que aconteceu em 2014, em que ”foi possível reduzir a taxa e a receita nesse ano aumentou 700 milhões de euros”.
O professor de economia Pedro Brinca concorda que “o preço de não baixarmos o IRC é continuarmos a perder competitividade face a países que, sendo mais pobres do que nós, têm crescido mais, porque têm estruturas fiscais mais ligeiras”. Mas defende que a questão "é estrutural e não deve ser ditada por razões conjunturais, como a crise energética que vivemos, e em relação à qual até pode haver medidas que possam fazer mais sentido”.
O economista da Universidade Nova diz que, nos últimos 20 anos, Portugal fez um caminho contrário ao do resto da Europa; enquanto a maioria dos países baixou os impostos, Portugal não acompanhou esse movimento, perdendo competitividade fiscal.
"Nós temos hoje países comparativamente mais pobres, com fiscalidades mais leves mas com fortes dinâmicas de crescimento económico. Depois temos países fortemente capitalizados, extremamente produtivos, capazes de sustentar políticas fiscais mais fortes. E depois temos Portugal, um país pobre com impostos de rico”, conclui Pedro Brinca.
Também Rogério Fernandes Ferreira, que foi secretário de Estado dos Assuntos Fiscais no Governo de António Guterres, admite que Portugal não é competitivo para atrair investimento estrangeiro, pelo facto de ter taxas de IRC mais altas do que a maior parte dos países europeus. Contudo, Fernandes Ferreira não considera "essencial" a descida transversal do IRC, defendida pelo ministro da Economia.
O ministro da Economia, Costa Silva, defendeu uma (...)
Do programa do Governo, lembra, consta apenas a descida de impostos para as empresas que tenham aumentado salários e reduzido as disparidades, medida com a qual concorda. O antigo governante defende que, na atual conjuntura de crise energética e de escalada dos preços de muitas matérias-primas, “as empresas precisam de apoios, mas as medidas fiscais não são prioritárias”.
A Confederação das micro, pequenas e médias empresas também não reconhece prioridade à descida do IRC, porque "a larga maioria das suas associadas nem sequer consegue obter lucros para pagar o imposto à taxa normal de 21%”.
O vice-presidente da confederação, Afonso Luz, diz que "uma descida do IRC poderá ter sobretudo impacto nas empresas de maior dimensão". Mas "para as mais pequenas, que são a base da nossa economia”, defende que "o que seria importante era baixar as tributações autónomas, como as despesas em representação, despesas em viatura própria, que têm um enorme peso sobre a sua atividade e que são cobradas às empresas, independentemente de elas terem resultado positivo ou negativo”.
Na edição desta semana do programa em "Nome da Lei" não se falou apenas de IRC. A tributação sobre as famílias, quer em impostos diretos quer em indiretos, foi igualmente abordada.
Nesse contexto, o vice-presidente do CDS e antigo secretário dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, deixou o alerta: ”Como o Governo não atualizou este ano os escalões do IRS, pode haver para o ano um agravamento de impostos para as famílias que viram aumentados os seus rendimentos este ano.”
Já o antigo secretário de Estado Rogério Ferreira sublinha que “não são só algumas empresas, nomeadamente do setor energético, a ter receitas inesperadas" -- "é sobretudo o Estado a ter lucros excessivos”, por causa da inflação. E chama a atenção para a "imoralidade fiscal” de o Estado se preparar para tributar os chamados lucros caídos do céu de algumas empresas, quando é o Estado o "campeão dos lucros excessivos" provocados pela guerra e pela crise energética.
Este episódio do programa "Em Nome da Lei" será transmitido em antena este sábado, logo após as 12h. Pode também ser ouvido nas plataformas de podcast e no site da Renascença.