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Banca viola a lei nas penhoras

Em Nome da Lei

Banca viola a lei. "Há inúmeros testemunhos de famílias sem um cêntimo após penhora"

19 mai, 2023 • Marina Pimentel


Banca não está a cumprir a lei, deixando as famílias sem um mínimo de sobrevivência após penhora de contas bancárias.

A lei garante, mas os bancos não cumprem. Em caso de penhora das contas, está a ser cativado o total do saldo do depósito, não ficando disponível para o devedor o mínimo de sobrevivência, equivalente ao valor do ordenado mínimo, atualmente fixado em 760 euros.

Álvaro Jordão, consultor jurídico na área da restruturação de dívida, diz que o incumprimento da lei tem sido muito notório.

"Nos últimos quatro anos, tenho sentido de facto falta de respeito pela lei, sobretudo pelas entidades bancárias. Os seus gabinetes jurídicos fazem uma interpretação do que está explanado no 738 do Código de Processo Civil que não corresponde ao que está na letra da lei e que não oferece dúvidas nem contempla exceções.”

A penhora da contas bancárias é um dos mecanismos previstos no âmbito das ações executivas. O referido artigo do Código de Processo Civil (CPC) garante aos devedores que “é impenhorável o valor global correspondente ao salário mínimo nacional”. Mas essa não tem sido a prática da banca, com exceção da Caixa Geral de Depósitos (CGD).

A situação também é do conhecimento da DECO Proteste. Natália Nunes, coordenadora do Gabinete de Proteção Económica, fala em inúmeras famílias que se veem de um momento para o outro sem um cêntimo para pagar as contas.

“Temos inúmeros testemunhos de famílias com a penhora da totalidade do seu saldo bancário."

"Entre eles, lembro-me de um casal de reformados que viram a sua reforma cair na conta bancária e de imediato ser na totalidade penhorada .Imagine o que é a aflição das pessoas, o desespero, de chegarem ao banco e verem que todo o dinheiro que têm está cativado”, indica Natália Nunes.

O Banco de Portugal (BdP) tem conhecimento da situação, mas nada faz em defesa dos devedores colocados numa situação de total vulnerabilidade. No relatório de supervisão de 2021, o Banco de Portugal reconhece que 8,2% das queixas que recebe em matéria de depósitos bancários diz respeito ao não cumprimento dos limites da penhora dos depósitos bancários.

O consultor Álvaro Jordão diz que já comunicou vários casos ao BdP mas a entidade reguladora nada fez. ”Por mais cartas que possamos dirigir ao Banco de Portugal, a expor a situação -- e eu fiz essa diligência em relação a vários clientes, e outros colegas também fizeram -- nada acontece.”

Os devedores ficam numa situação de grande vulnerabilidade e sem saber o que fazer. Natália Nunes explica que muitas das famílias que recorrem à associação de apoio ao consumidor até só se apercebem de que estão a ser alvo de uma penhora pela cativação dos saldos bancários.

A falta de informação é um dos grandes problemas, diz a jurista da DECO Proteste. ”Muitas vezes a primeira vez que as pessoas têm contacto com a penhora é través do banco. E estes não dão informação porque também não estão obrigados. Podiam dizer às pessoas está a ser cativado um determinado valor porque estão a ser objeto de uma penhora feita pela Autoridade Tributária ou há uma penhora feita em sede de um processo judicial, mas essa informação ,que poderia ser muito útil, não é dada.”

Regulador não regula

Nos processos de penhora, os agente de execução têm um papel central, desde que há 20 anos o processo executivo passou a ser tramitado extrajudicialmente. São eles que diligenciam junto da banca, para cativar os valores depositados.

Duarte Pinto, presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução, não nega que possa haver más práticas. Mas acusa o Banco de Portugal de não dar informação sobre os saldos dos devedores que poderia evitar o bloqueio às cegas dos depósitos bancários.

“Se o Banco de Portugal, num primeiro momento da tramitação do processo, nos informasse de que eu, enquanto executado, tenho conta em quatro entidades bancárias, e tenho 500 euros numa, noutra 700 e noutra 900, o agente de execução poderia, de acordo com aquilo que também são as regras, não atacar as contas à ordem mas começar pelas contas a prazo, de forma a salvaguardar o tal salário mínimo. Ora o que é que acontece? O BdP não dá essa informação.”

E a situação é ainda mais grave quando se trata de penhoras desencadeadas pelo Estado, onde os agentes de execução nem sequer intervêm, porque o devedor não sabe quem contactar.

Natália Nunes diz que “vemos muitas vezes acontecer um excesso de zelo por parte do banco quando recebe uma ordem da Autoridade Tributária ou da Segurança Social”.

A jurista explica que, “depois de receber a ordem de penhora, o que o banco faz é cativar a totalidade do saldo bancário".

"E se para o cidadão já é extremamente difícil a situação, quando está perante uma penhora feita ao abrigo de um processo judicial, mais difícil é quando se depara com uma penhora da Segurança Social ou da Autoridade Tributária. Com quem é que ele vai falar para dizer que lhe penhoraram a totalidade do saldo da conta bancária, se não tiver a boa vontade da parte do banco?”

O advogado Pedro Almeida Cabral, membro da Associação Portuguesa de Direito de Insolvência, sublinha que o atual regime representou uma enorme mais valia na cobrança de dívidas. Mas reconhece que há problemas. Não porque a lei esteja mal desenhada mas pele forma como está a ser aplicada.

O especialista defende por isso que “a situação poderia ser resolvida com mudanças de procedimentos, acordadas entre a banca e os agentes de execução".

"Eu lançava o repto à Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução para entrarem em diálogo com a Associação Portuguesa de Bancos e com o BdP e criarem um procedimento, se necessário com alteração legislativa, pelo qual se deve responsabilizar quem tem competência para tal, o Governo, para que os agentes de execução não façam estes dois movimentos seguidos, o que só prejudica a vida das pessoas, porque num primeiro momento têm as contas bloqueadas e só depois vem a penhora."

"Estamos a falar de operações que podem demorar uma, duas, três semanas, e as pessoas não têm meios de subsistência.”

O repto lançado pelo advogado Almeida Cabral pretende evitar que a banca continue a violar a lei, levando a uma situação limite dos devedores que, nos processos de execução das suas contas bancárias, ficam privados do mínimo de sobrevivência.

São declarações ao programa Em Nome da Lei, da jornalista Marina Pimentel, emitido aos sábados ao meio-dia pela Renascença e sempre disponível nas plataformas de podcast.

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  • Ana
    22 mai, 2023 Costa da Caparica 23:52
    Desde que isto foi entregue a AE que a legislação descambou. Enquanto esteve na alçada de advogados era diferente. Nunca deviam ter feito está alteração. Advogados e apenas advogados deviam continuar com estes processos.
  • Miguel Lemos
    20 mai, 2023 Santarém 11:36
    Bom dia. Trabalhei vários anos como empregado forense com um Agente de Execução e tive muito contacto com outros. A garantia do salário mínimo não é tão linear como se faz parecer. A penhora bancária é procedimento eletrónico e faseado e que não está bem aplicado pelo BdP. Em termos largos processa-se da seguinte forma: 1º o A.E. pede ao BdP a informação sobre as contas em nome do executado, a informação fornecida apenas contêm o nome dos bancos, 2º Avança o pedido de bloqueio dos saldos e apenas com as respostas a esses pedidos de bloqueio o A.E. fica a saber o saldo das contas, 3º O A.E. mediante as respostas e saldos das contas liberta o saldo relativo ao SMN e penhora o restante, Ora temos que o Banco de Portugal ao não fornecer informação sobre o saldo limita a acção do A.E., que é forçado a bloquear os saldos das contas todas para apurar os saldos. Há ainda que considerar que o executado poderá ter várias contas com saldo superior ao SMN, que, salvo melhor opinião, não estão salvaguardas pela lei. Com os melhores cumprimentos,