20 out, 2023 • Marina Pimentel
Israel está a cometer "crimes gravíssimos" contra o povo palestiniano. A advogada Anabela Alves, que trabalhou no Tribunal Penal Internacional (TPI) e dá formação sobre crimes, de guerra, entende que “há vários indícios dos crimes de genocídio, do crime de apartheid, de perseguição".
"Não são respeitados os direitos do povo palestiniano. São tratados todos como se fizessem parte do Hamas, inclusive as crianças”, diz. Mas pode falar-se neste caso de genocídio? A jurista internacional reconhece não poder confirmar ainda, mas reforça que “ há indícios de crimes gravíssimos contra a Humanidade e contra os palestinianos”.
O facto de o Hamas ter cometido crime de terrorismo e de guerra “não dá o direito a Israel de retaliar sobre a população palestiniana”, defende a advogada que participou no julgamento do líder sérvio Milosevic.
A jurista explica que os crimes de guerra cometidos por Israel são investigados no âmbito de um processo que já esta aberto no TPI.
"Os crimes de guerra, o genocídio, os crimes contra a Humanidade, são sempre de responsabilidade individual. Aqueles que têm maior responsabilidade estão já a ser investigados pelo Tribunal Penal Internacional, pelo procurador Karim Khan, porque a Palestina reconheceu a jurisdição do TPI em 2015 e os juízes do tribunal aceitaram que o procurador começasse a investigar para a constituição de um processo.”
Anabela Alves defende, no entanto, que também o Hamas pode ter cometido crimes de guerra ao cometer atentados contra civis, ao fazer reféns e ao utilizar a população como escudos humanos. E o presidente da Autoridade Palestiniana tem o dever de entregar à Justiça Internacional os seus autores.
"O presidente Mahmoud Abbas tem a obrigação de levar à Justiça os culpados deste atentado terrorista. E ele tem grande poder para fazer isso, porque controla o Conselho Judiciário da Palestina.”
Também o especialista em Direito Internacional e Europeu Francisco Pereira Coutinho não tem dúvidas de que o atentado do Hamas contra civis e a captura de reféns israelitas constituem crimes de guerra. Reconhece a Israel o direito a defender-se depois do atentado e a considerar o Hamas uma ameaça muito séria. Mas o professor da Universidade Nova fala numa reação desproporcionada da parte dos hebraicos.
"Este cerco que Israel está a fazer à Faixa de Gaza é uma clara violação do Direito Internacional Humanitário. Por outro lado, a dimensão dos bombardeamentos. Os próprios israelitas reconheceram que lançaram 600 bombas em seis dias. Ora, com esta intensidade de bombardeamentos, que não tem precedente na história recente, eu diria que é quase impossível que cada ataque seja um ataque proporcional."
O especialista destaca que "vimos esta situação no hospital atingido, não foi aparentemente responsabilidade de Israel mas porque é que tivemos tantas baixas civis? Porque as populações, neste momento, estão abrigadas nos edifícios protegidos sob o Direito Internacional Humanitário, designadamente hospitais. Portanto ainda que tenha sido a Jihad Islâmica a atingir aquele hospital, a circunstância é que temos lá muita população em resultado de não terem para onde fugir porque neste momento Gaza é uma prisão a céu aberto”.
O argumento de que o Hamas tem 200 israelitas como reféns algures nos túneis subterrâneos de Gaza não pode servir para Israel justificar os ataques a Gaza, na opinião do professor da Universidade Nova. Pereira Coutinho lembra que esta é a quinta guerra que Israel tem com o Hamas. E embora neste momento não se vislumbre, tem de haver uma saída negociada com a Autoridade Palestiniana, que terá de passar sempre pela solução dos dois Estados - Israel e Palestina.
Também o especialista em Direitos Humanos Jorge Bacelar Gouveia defende que tem de se chegar rapidamente a uma solução de paz para a região, que tem de passar pela fórmula dos dois Estados. Reconhecendo a gravidade da situação humanitária que vivem os palestinianos, diz contudo ter “dúvidas de que Israel tivesse alternativa ao que está a fazer neste momento em Gaza” para conseguir destruir o Hamas.
O presidente do OSCOT (Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo) não só equaciona o risco de regionalização do conflito, apesar das divisões entre sunitas e xiitas, como admite que as morte e destruição que são transmitidas permanentemente pelos órgãos de informação e pelas redes sociais podem conduzir a radicalismos na Europa, despertando lobos solitários como o que esta semana matou dois cidadãos suecos no centro de Bruxelas, na Bélgica.
"Os atentados terroristas têm sido feitos quase todos pela radicalização jihadista, que não tem propriamente a ver com este assunto. Mas é evidente que estas coisas se cruzam. E há solidariedades de natureza religiosa. E há também mimetismo. E há pessoas que se galvanizam pela injustiça, e pelos crimes que, infelizmente, estão a ser cometidos. Pode haver várias motivações.”
Jorge Bacelar Gouveia lembra que a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, já propôs a suspensão do Espaço Shengen, com o consequente regresso do controlo de todas as fronteiras no espaço europeu. Mas os três participantes no programa Em Nome da Lei são unânimes em considerar que é uma medida excessiva e alarmista.
O programa Em Nome da Lei, da jornalista Marina Pimentel, é transmitido aos sábados pela Renascença e está sempre disponível nas plataformas de podcast.