22 jun, 2016 • Dina Soares , em Bruxelas
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O referendo sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia pode abrir um precedente grave relativamente à coesão da Europa. É Maria João Rodrigues, eurodeputada e coordenadora da Aliança Socialista dos Progressistas e Democratas no grupo de trabalho do Parlamento Europeu encarregue do Brexit, que o diz.
A socialista considera que a Europa tem que resistir a essas tentações sob pena de se desintegrar, nomeadamente dando mais força aos partidos nacionalistas, que estão a ganhar peso nalguns países europeus.
A eurodeputada está igualmente convencida de que os eleitores do Reino Unido estão mal informados sobre os perigos de declínio económico que os espera caso optem pela saída. Já quanto ao futuro dos portugueses que vivem no Reino Unido, Maria João Rodrigues não prevê dificuldades.
Os britânicos vão dizer se querem ou não continuar na União Europeia. Se o Reino Unido decidir ficar, que Europa teremos depois do referendo?
Nessa altura, terá que se dar início ao acordo que foi estabelecido entre a União Europeia e o Reino Unido que prevê que o Reino Unido já não se compromete em ir mais longe em todas as áreas da integração europeia e passa a contar com um regime específico relativo aos benefícios sociais a que têm direito todos os cidadãos europeus que decidirem ir viver ou trabalhar no Reino Unido. Por outro lado, e essa é a vantagem que vejo neste acordo, o Reino Unido aceita que a partir de agora não terá poder de veto se a zona euro decidir ir mais longe e organizar-se como verdadeira união económica e monetária.
E que exemplo fica para os outros Estados-membros?
Esse é também um risco que pode decorrer do Reino Unido ficar na União Europeia é que outros Estados-membros possam pensar que se fizeram algo semelhante, ou seja, se sugerirem que poderão ir a referendo quanto à sua permanência na União Europeia, poderão retirar daí regimes e tratamentos especiais. Pessoalmente, acho que tem que se resistir a isso porque, nessa altura, estaríamos a evoluir para uma Europa "a la carte" em que cada um decidiria o que quer retirar da Europa e não é possível a Europa funcionar nessa base. Nessa altura, estaríamos a caminhar para uma desintegração progressiva da União Europeia.
No cenário da saída, que Europa fica?
Esse cenário ainda é mais preocupante porque teria saído da União Europeia um dos países com maior peso económico, militar, de influência externa e também com grande peso na história da Europa e isso enfraqueceria a União Europeia como um todo. Mas, acima de tudo, desencadearia para o Reino Unido uma série de consequências que eu penso que os cidadãos britânicos não estão a avaliar devidamente. Não tenhamos dúvidas de que, nessa altura, haveria perturbação dos mercados financeiros e uma movimentação algo incontrolada de capitais, em primeiro lugar. Em segundo lugar, o Reino Unido saíria do mercado interno europeu e para voltar a estabelecer ligações com esse grande mercado da União Europeia teria que negociar um tratado específico que leva anos. E, enquanto essa negociação decorresse, o Reino Unido estaria submetido a um período muito difícil de crescimento baixo ou mesmo recessão, desemprego e declínio económico.
Se esse "divórcio" for litigioso, pode arrastar-se durante muito tempo e ter consequências complicadas para os dois lados.
Sim, porque há o risco de efeito dominó e de réplica para outros países que, ao verem o Reino Unido a sair, podem interpretar isso como um golpe importante no processo de construção europeia e podem, eles próprios, começar a interrogar-se se não será melhor tomarem um caminho semelhante. Eu acho que, neste momento, isso não acontece. Também não quero dramatizar, não há nenhum país que esteja nessa circunstância, mas há correntes políticas na Europa, muito activas em certos países, a advogarem claramente que o melhor que os seus países têm a fazer é regressar às suas fronteiras nacionais e desactivar a construção europeia. Esse tipo de correntes políticas representa um quinto dos deputados europeus, mas há o risco de virem a ter mais peso no Parlamento Europeu, que vai ser eleito em 2019.
Se esta saída se concretizar, vai ter que haver uma "partilha de despojos". Como é que isso será feito?
É um processo que será muito complexo porque o Reino Unido perde o acesso automático ao mercado interno europeu, mas os Estados-membros da União Europeia também perdem o acesso facilitado ao mercado britânico. Além disso, há toda uma base de serviços financeiros que hoje são fornecidos pela grande praça financeira de Londres que passam também a ter um acesso mais difícil. De certa maneira, o Reino Unido fornecia um pulmão financeiro fundamental para a economia europeia. Claro que também podemos contra-argumentar dizendo que hoje a economia europeia está assente numa outra moeda que é o euro, independente da libra esterlina, e o que há a fazer é organizar a zona euro para que ela possa ultrapassar a crise em que tem estado mergulhada e passe a criar reais condições para mais investimento, sem ter que estar enredada numa contenda permanente com a zona da libra esterlina e do Reino Unido.
A possibilidade do Reino Unido manter o acesso ao mercado único, à semelhança do que acontece, por exemplo, com a Noruega, é um cenário a considerar?
É, mas em qualquer caso vai sempre exigir uma negociação muito complexa porque é uma economia muito diversificada, muito importante e as avaliações que existem apontam para uma negociação de, pelo menos, sete anos.
Em relação a Portugal, há muitos portugueses que vivem no Reino Unido e que, a concretizar-se a saída, passarão a ser estrangeiros. O que é que Portugal pode e está a fazer para acautelar uma situação que pode mudar de um dia para o outro?
De momento, não há motivo para essa preocupação. Primeiro, temos que ver o resultado do referendo. A seguir, mesmo que a saída ganhe, haverá sempre um regime de adaptação para os cidadãos europeus. Portugal vai negociar esse novo regime em conjunto com todos os seus parceiros europeus e portanto vai estar numa situação de grande força negocial. O Reino Unido não tem manifestado uma grande preocupação com a chegada de trabalhadores portugueses, que foi relativamente bem digerida e não tem sido objecto de contenda entre os dois países. Os dois países têm uma relação bilateral que é francamente positiva e, portanto, isso não me preocupa.