28 set, 2019
“O ministro da Defesa articula-se com um deputado e não avisa o primeiro-ministro? Não articula com o primeiro-ministro?”, perguntou o líder do PSD, quinta-feira, depois de ser conhecida a acusação no caso Tancos.
"É pouco crível que um ministro não articule aspetos desta gravidade com o primeiro-ministro", concluiu Rui Rio a propósito do ‘achamento’ das armas pela Polícia Judiciária Militar (PJM).
Um dos problemas das declarações da Rui Rio é que nos fazem pensar em mais perguntas, tendo em conta aquele mesmo despacho de acusação. O chefe da Casa Militar da Presidência da República sabia da manobra em curso e não disse nada ao Presidente? E se o ministro disse ao primeiro-ministro, este não articula um assunto como este com o chefe de Estado e comandante supremo das Forças Armadas?
As armas foram ‘achadas’ a 18 de outubro de 2017 (ou o seu achamento foi dado a conhecer nesse dia). João Cordeiro, chefe da Casa Militar do Presidente da República à data dos factos deixou as suas funções no fim do novembro seguinte, invocando razões pessoais. A explicação que foi sendo dada aos jornalistas foi que não se tinha adaptado ao ritmo alucinante do Presidente.
Hoje, saída a acusação do processo judicial, sabemos que João Cordeiro continua sob suspeita porque o Ministério Público considerou que os seus depoimentos têm incongruências com os fatos apurados e as provas recolhidas, por isso extraiu uma certidão do processo para continuar a investigar.
O que a acusação, no fundo, diz é que o então chefe da Casa Militar sabia da manobra em curso para que fosse a PJM a recuperar as armas, mas como o crime de que poderia ser acusado teria pena inferior a três anos e, portanto, não poderiam ser tidas em conta as escutas telefónicas, mais vale continuar a investigar num processo à parte.
Será, então, crível que Azeredo Lopes e João Cordeiro soubessem e não tivessem dito aos seus chefes diretos? Sim, é crível. Azeredo Lopes pode ter tido a tentação de ficar bem aos olhos do primeiro-ministro e do Exército, ao mesmo tempo. E até ganhar pontos dentro das Forças Armadas ao permitir um brilharete da PJM que, sabe-se bem e há anos, que não é polícia que agrade a António Costa, que estava prontinho para acabar com ela.
E João Cordeiro, homem do Exército tal como o então chefe de gabinete do ministro, pode também ter caído na tentação de tentar defender mais a imagem do seu ramo do que a autoridade de Estado e o respeito pela separação de poderes.
Esquerda incomodada
Outro dos problemas das declarações de Rui Rio – e de todas as perguntas que elas induzem – é que estamos a falar da acusação, não de uma sentença. E o líder do PSD, que recusa “julgamentos de tabacaria”, deu a acusação como se sentença fosse. Ainda se pode provar que Azeredo, afinal, não sabia, tal como ainda pode não haver acusação a João Cordeiro no processo separado.
Claro que este é um caso politicamente relevante, é um assunto de Estado, que mexe com instituições e com a segurança nacional. Era natural que se tornasse o caso da campanha, tendo em conta o calendário do próprio processo. E o líder do maior partido tem de falar dele, claro que tem, mas também tem de encontrar o ponto certo para não se contradizer. E, uma vez na luta, não pode recuar.
Já Assunção Cristas sempre percebeu (ou alguém por ela) que este era um assunto que interessava ao seu eleitorado. O CDS liderou politicamente o assunto, provocou a primeira comissão de inquérito; no início da semana perante uma noticia que lançava suspeitas sobre o Presidente da República, virou o caso para o Governo; e agora veio recolocar a questão política.
Já a esquerda ainda não percebeu como dar a volta a este caso. O Bloco, notoriamente, incomodado teve de acabar por reconhecer que é um assunto importante.
Jerónimo de Sousa optou por atacar o CDS e Rui rio. E António Costa, o otimista, vai repetindo o seu estribilho que resulta desde a prisão de José Sócrates - “à justiça o que é da justiça, à política o que é da política” -, esperando que este caso afete o mínimo possível as suas ambições.
Enquanto isso, as relações entre Belém e São Bento voltam a arrefecer. Ou, conforme o ponto de vista, a aquecer, com desconfianças mútuas. Tudo por um caso que, repito, é grave e tem a ver com questões de Estado, mas que, ao mesmo tempo, é tão ridículo - com traficantes endividados, ladrões arrependidos e polícias contra polícias - , que podia servir de argumento a uma série como o Mash da minha adolescência ou constar de um dos livros do “Recruta Zero”, que faziam parte das leituras lá de casa na minha infância.