16 dez, 2022
A conferência da ONU sobre diversidade biológica (COP15) entra nos dias decisivos para alcançar um acordo global sobre biodiversidade que trave a extinção de espécies e acelere a proteção de áreas naturais sensíveis.
Antes da chegada dos ministros de todo o mundo, os negociadores não conseguiram acertar entendimentos sobre diversas áreas críticas. As questões do financiamento e da proteção das bases genéticas de muitos produtos de base natural estão na origem de divergências nos últimos dias.
Guilherme Eidt, especialista em políticas públicas do Instituto Sociedade População e Natureza, com sede em Brasília, esteve na Conferência da ONU sobre Alterações Climáticas (COP27), no Egipto, e está agora na Conferência sobre Diversidade Biológica (COP15) em Montreal, no Canadá.
Em entrevista à Renascença, este especialista brasileiro levanta a bandeira do financiamento e, em particular, o reconhecimento dos povos indígenas e as suas práticas ancestrais de conservação da biodiversidade.
Com que expectativas partiu para esta COP15?
A meta de maior ambição na conservação de biodiversidade deve ser exequível, mas é preciso avançar também na cooperação técnico-científica, na partilha de dados e de recursos. Todos estes pontos estão ligados, mas avançar nas negociações implica a sinalização efetiva de compromissos no sentido de maior disponibilização de recursos para fazer os investimentos necessários.
Existe um jogo de transferência de responsabilidades nestas arenas de negociação. Os países em desenvolvimento têm maior responsabilidade na disponibilização dos seus territórios para conservação e é lícito reconhecer que têm a expectativa de que os países que já consumiram as suas áreas de biodiversidade relevante possam investir em novos esforços de conservação. Isso não está a acontecer.
O Norte, nomeadamente a União Europeia, não mostra querer avançar na consolidação de um novo mecanismo de investimento, inclusive na ligação entre o sequenciamento genético digital e a repartição justa do conhecimento tradicional associado à biodiversidade.
As organizações não-governamentais brasileiras dão muita importância à garantia de direitos para as populações tradicionais. Reconhecer a relevância de territórios conservados e mantidos por povos indígenas e populações tradicionais tem que estar em todas as metas ligadas a esta temática nos textos da COP15. Essas referências estão a ser atiradas para um plano superficial que é relegado para um preâmbulo.
É possível ter um acordo global sem um compromisso fixo de financiamento que saia já desta conferência?
É muito fácil assumir compromissos com o território dos outros. Os países em desenvolvimento não vão querer pagar essa conta sozinhos. Todos os esforços de mobilização de recursos, incluindo o setor privado, mostram uma tendência do Norte desenvolvido para endossar essa responsabilidade para terceiros, como os países em desenvolvimento que têm que arcar com a manutenção e desenvolvimento de tecnologias associadas à conservação das suas áreas prioritárias de biodiversidade.
Existe tensão entre algumas partes na negociação para garantir uma distribuição justa e equitativa dos benefícios associados ao uso do sequenciamento genético digital. Há blocos que não admitem que a informação genética provém de um uso tradicional associado a determinado território e população.
As organizações que representam os povos indígenas do Brasil têm a expectativa de que possam ser estabelecidos mecanismos de financiamento direto para as comunidades e populações tradicionais. Esse tem sido o esforço na agenda climática. Na COP27, no Egipto, acompanhei várias discussões onde foi possível definir princípios propostos pelas lideranças indígenas para a transferência direta desses recursos para os esforços de conservação das comunidades.
Ficamos muitas vezes à mercê do endosso de determinados governos e sujeitos a posições como, por exemplo, as que o Brasil assumiu nos últimos quatro anos, sem uma visão comprometida com os esforços globalmente acordados para a conservação em diferentes tratados internacionais.
Os recursos muitas vezes não chegam onde são necessários. Pouco mais de 0,35% dos 100 mil milhões de dólares anuais que se prometiam para ações de mitigação e adaptação nas alterações climáticas chegam às populações indígenas.
Como tem visto a posição da União Europeia a partir do seu ponto de observação no Brasil ?
A União Europeia assumiu o compromisso de não adquirir produtos de origem florestal com desmatamento recente. É uma legislação importante e relevante, ainda que circunscrita a uma abordagem estritamente florestal, não incluindo outras áreas arborizadas e ecossistemas.
Esta medida mostra alguma ambição, mas há ecossistemas que ficam de fora dessa proteção. Aqui, na COP15, falamos de um esforço para todos os ecossistemas e a normativa europeia é limitada e não representa muito para avançar nalguns pontos da negociação. O sequenciamento genético digital é um ponto importante, mas tudo está ligado aos recursos que vamos ter para ações práticas e efetivas que tenham um real impacto nos territórios e consigam incluir atores globais comprometidos nesses esforços de conservação.
A União Europeia tem-se oposto à inclusão das terras indígenas dentro das metas de conservação. Não conseguimos entender essa posição, dado que existem inúmeras evidências de que é possível ter mais ambição e reconhecer mais territórios tradicionais onde existe grande conservação.
As terras indígenas do Brasil são aquelas onde as áreas são mais conservadas, com mais vegetação nativa preservada, com prática de uso ancestral do território que promove a conservação. A fraca sinalização para disponibilização financeira é compreendida como uma posição refratária ao avanço das negociações.