24 mar, 2023 • José Pedro Frazão
Os governos europeus acreditam que a chave está na conclusão do acordo com o Fundo Monetário Internacional, estagnado há muitas semanas sem que sejam anunciadas as reformas que podem desbloquear 2 mil milhões de dólares para os cofres de Tunes. O país, outrora cartaz das Primaveras Árabes, está mergulhado numa crise económica com altos índices de inflação, desemprego e desigualdades. O governo tunisino pediu mais tempo para apresentar as reformas internas, adiando a conclusão do acordo que tem vindo a ser pressionado por Bruxelas mas também por Washington.
Anthony Blinken, Secretário de Estado norte-americano, diz que sem esse entendimento, a Tunísia arrisca cair num abismo. Macron acrescenta que a falta de um acordo com o FMI arrasta a Tunísia para uma situação de "tensão política muito elevada" e para uma crise económica e social galopante. Meloni pede pressão diplomática para que as partes cheguem a acordo e já na próxima segunda-feira o Comissário dos Assuntos Económicos estará em Tunes para conversações com o Presidente, o Primeiro-Ministro, os ministros dos Negócios Estrangeiros, da Economia e das Finanças, o Governador do banco central mas também com representantes do sector privado e da sociedade civil tunisina.
Depois da visita de Paolo Gentiloni, está prevista uma deslocação diplomática dos ministros dos Negócios Estrangeiros da Bélgica - uma ligação francófona - e de Portugal - país que tem actuado discretamente no Norte de África e em particular no conflito entre Marrocos e a Argélia. O Ministro português dos Negócios Estrangeiros terminou a semana em Bruxelas a dizer que a União Europeia não pode abandonar a Tunísia, apesar da "deriva autoritária", depois do seu Ministério ter começado a semana a felicitar aquele país pela celebração da sua independência, sublinhando que os dois países têm relações de longa data "mantendo um enfoque na resposta a desafios comuns, incluindo a prosperidade do Mediterrâneo".
Mas foram as palavras do Alto Representante da União Europeia para a Política Externa, que mais irritaram a presidência tunisina. No final da reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros, Josep Borrell referiu-se a um perigo de "colapso" que provocaria fluxos migratórios para a União Europeia e instabilidade na zona do Mediterrâneo. A diplomacia tunisina emitiu de imediato uma nota alegando que os comentários de Borrell foram desproporcionados.
Ao longo da semana, Borrell foi sublinhando que a União Europeia não consegue ajudar um país que não consegue assinar um acordo com o Fundo Monetário Internacional. Mas a dimensão política, incluindo os discursos sobre migrações do Presidente tunisino Kais Saied, nunca foi ignorada pelo diplomata espanhol.
"A estabilidade política depende do desenvolvimento de instituições democráticas de forma inclusiva. O presidente tunisino desenvolveu um novo sistema político para o país, que recebeu apoio mitigado pelo número de tunisinos que compareceram às urnas – 11% nas últimas eleições parlamentares, menos de 30% para a nova Constituição. Precisamos de um desenvolvimento inclusivo", afirmou Borrell em conferência de imprensa em Bruxelas, referindo-se à acumulação de poder de Saied, eleito em 2019, todo poderoso desde 25 de Julho de 2021, quando dissolveu o Parlamento, demitiu o Governo e assumiu poderes constitucionais alargados. Desde então, a oposição não pára de denunciar detenções e perseguições políticas, como fez de resto no início de Março numa manifestação em Tunes pela libertação de activistas da oposição.
Em 2022, Saied submeteu a referendo uma proposta de Constituição, inclinando a Tunísia para o presidencialismo, com 90% de votos a favor. Mas a participação de apenas 30% do universo eleitoral colou-se à pele de Saied, vista a partir de críticos internos e analistas externos. O coro de críticas ao Presidente subiu ainda mais quando numa intervenção pública a 21 de Fevereiro já deste ano, Saied defendeu "medidas urgentes" para travar a chegada à Tunísia de "migrantes clandestinos da África subsariana", associando-os a violência e crime no país e sobretudo a uma "organização criminal urdida no início do século para alterar a composição demográfica da Tunísia", deixando esta alegadamente de ser árabe-muçulmana para ser um país "apenas africano". Os comentários presidenciais agitaram a sociedade e sobretudo a comunidade imigrante subsariana na Tunísia.
Paradoxalmente, do outro lado do Mediterrâneo, há uma líder política com retórica anti-imigração que teme a tempestade perfeita composta por caos económico, descontrolo migratório e instabilidade regional. Chama-se Giorgia Meloni, que saiu de Bruxelas esta semana a dizer que "nem toda a gente" está a ver um filme que as costas italianas reconhecem à luz da estatística corrente: 20 mil migrantes já chegaram de barco este ano pela perigosa travessia do Mediterrâneo , dos quais 12 mil partiram exactamente da Tunísia, por comparação com 1300 do mesmo período de 2022.