28 set, 2023 • Pedro Caeiro
A alguns meses de a Europa ir a votos, a transparência é um tema fulcral. Até porque milhões de cidadãos europeus continuam a não saber distinguir entre diferentes órgãos e poderes em Bruxelas e a questão da transparência é essencial para que não se continue a perpetuar o afastamento dos eleitores. Ou seja, para começar a reduzir a sempre elevada abstenção nas Europeias.
“Nós esforçamo-nos bastante - e falo em nome da Comissão Europeia - para apresentar a União através dos factos. Portanto, não há propaganda vazia, mas os factos: a União é útil para as pessoas. Algumas coisas são fáceis de explicar, outras não”, afirma a comissária.
Vera Jourova recorda o tempo em que teve na pasta dos direitos dos consumidores e em que “foi muito fácil explicar que estamos realmente a esforçar-nos para garantir que eles só comprarão produtos seguros”. Mas reconhece que é mais difícil transmitir conceitos como o do Estado de Direito.
Ainda assim, aponta dois exemplos de crises que a União Europeia teve de gerir recentemente para dizer que nem sempre é preciso alguém transmitir a mensagem de que a União Europeia é útil. “Por exemplo, no caso da Covid e da invasão russa da Ucrânia (...) a verdade é que as pessoas não notaram quaisquer obstáculos no Mercado Comum. De facto, as cadeias de abastecimento não foram interrompidas. E isto não foi automático. Foi um trabalho árduo de muitas pessoas que trabalhavam nas instituições europeias para manter tudo a funcionar dentro da normalidade possível”.
Já no caso da invasão russa da Ucrânia, a comissária acredita que, sobretudo os países do leste, percebem que “se não estivermos (ou não quisermos estar) na União Europeia e na NATO, o apetite imperialista de Putin vai realmente querer engolir-nos novamente”.
Para Vera Jourova “estas duas crises também deixaram mais claro para as pessoas por que é que deveriam valorizar a União Europeia. Mas muitas outras coisas precisam ser explicadas e feitas”.
Ainda assim, diz-se convencida que as sondagens ou estudos de opinião vão mostrando que a União Europeia tem mostrado a todos como funciona bem em situações de crise: “Vimos melhores dados de valorização da União Europeia no segundo ano da Covid e depois da invasão (russa) vimos os picos. Mas depois, claro, com os preços da energia, a inflação e a incerteza, vimos degradar-se a confiança na União Europeia. Mas atenção que o sentimento é muito semelhante ao declínio da confiança nas instituições democráticas em geral. Portanto, o declínio da confiança é um factor muito forte que vemos agora em toda a Europa, em quase todo o lado”.
A confiança sobreviverá mais um Inverno?
Nesta entrevista, a comissária reconhece que vai ser difícil manter em níveis elevados a confiança dos europeus quando tiverem de passar por um segundo período de Inverno com mais uma crise energética à vista. Mas Vera Jourova espera que (mais) esta crise possa ser superada com distinção: “Temos pela frente um segundo Inverno difícil. Ainda assim, ouso dizer que nos saímos até agora muito bem. Conseguimos eliminar em grande parte a dependência das fontes de energia russas e a ‘bomba de gasolina’ de Putin agora não pode vender combustível à Europa e a sua importância foi minimizada. Por outro lado, o povo soube prestar atenção e teve capacidade de sofrimento”, afirma.
Liberdade de Imprensa e Estado de Direito são preocupações
No início de Setembro, a Comissão da Cultura e da Educação do Parlamento Europeu votou a Lei Europeia da Liberdade de Imprensa, com o objectivo de trazer novas regras para promover o pluralismo e a independência dos meios de comunicação social. Mas, será viável um conjunto de regras comuns quando estamos a falar de vastas diferenças no panorama mediático e cultural de 27 países? Vera Jourova espera bem que sim. Recorda que, ainda há dias, no discurso sobre o Estado da União, a Presidente da Comissão Ursula Von der Leyen afirmou que os relatórios sobre o Estado de Direito vão ser alargados aos Estados-Membros candidatos à adesão.
A comissária explica que os critérios aplicados aos 27 que já fazem parte da comunidade serão os mesmos aplicados aos que querem fazer parte da União. Assim, os países candidatos terão de dar garantias acerca do seu sistema judicial, da luta contra a corrupção, da luta contra o crime organizado e também dos meios de comunicação social. Mas, acrescenta: "Os países candidatos, como a Sérvia ou a Ucrânia, poderão ficar satisfeitas por usarmos a mesma metodologia, quer para avaliar a situação na esfera do Estado de Direito nos nossos Estados-Membros, quer para avaliar a situação nos países candidatos”.
Polónia e Hungria são “pedras no sapato”
A questão do cumprimento das regras do Estado de Direito não tem sido nada bem recebida por alguns países que já fazem parte dos 27, como a Polónia e a Hungria. Até porque a Comissão Europeia fez depender do cumprimento dessas regras a disponibilidade para entregar a cada país verbas gigantescas do Plano de Recuperação e Resiliência.
Vera Jourova explica que, neste aspecto, as regras têm de ser muito claras para todos: “Reconheço que é muito difícil ter regras claras neste domínio. Porque não é uma política onde possamos ser muito precisos, concretos, onde possamos quantificar os resultados. Ainda assim, acredito que temos regras muito claras e também decisões muito claras do Tribunal de Justiça Europeu sobre o que significa o ‘princípio do Estado de Direito’. E, quando discutíamos como pressionar a Polónia e a Hungria a introduzirem mudanças nos seus sistemas, também fomos pressionados pelos contribuintes europeus e também pelas empresas europeias. Porque me disseram que é bastante difícil fazer negócios num país onde não podemos confiar na independência dos tribunais. Portanto, nós próprios estamos sob grande pressão. E a nossa obrigação é proteger o dinheiro dos contribuintes europeus. É por isso que tornamos mais forte a nossa caixa de ferramentas com esta pressão financeira, se é que posso dizer desta forma mais simples”.
Qatargate: o que foi feito não chega para restaurar a credibilidade
Outro dos temas abordados pela comissária responsável pela pasta da Transparência foi a adopção recente, por parte do Parlamento Europeu, de novas regras em matéria de ética e transparência na sequência do escândalo “QatarGate”. Mas Vera Jourova tem algumas dúvidas que estas regras cheguem para prevenir casos semelhantes no futuro. Acha, de resto, que este pacote não chega.
“Não poderão prevenir totalmente a corrupção, porque existe sempre a integridade pessoal dos membros do Parlamento, e isso é, na minha opinião, o mais decisivo. Mas é bom que o Parlamento tenha adoptado estas regras. Isso também já foi bom, nomeadamente, a rápida reacção da presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, sobre o Qatargate”.
No entanto, a comissária quer continuar a trabalhar com o Parlamento Europeu, para criar regras mais rigorosas, tanto para o Registo de Transparência, como também para o acesso aos documentos. Quer trabalhar com o Parlamento sobre “os mais elevados padrões éticos, que deveriam ser supervisionados pelo órgão de ética europeu”.
Jourova vai mais longe e diz mesmo que “todos temos que fazer muito mais”. A responsável europeia pela Transparência, reconhece que o Qatargate irá preocupar principalmente os membros do Parlamento Europeu, mas as pessoas não sabem a diferença. Seja o Parlamento, a Comissão ou quem quer que esteja em Bruxelas, as pessoas dirão sempre “há algo de podre em Bruxelas, eles têm salários altos e gerem mal o nosso dinheiro!”. Por isso, Vera Jourova acha que a UE tem “obrigação comum de fazer mais”.
Está o X a agir de boa-fé?
Recentemente, Vera Jourova esteve envolvida num esforço para reforçar a regulamentação em plataformas como o Facebook, o Instagram ou a rede X, anteriormente conhecida como Twitter.
Numa altura em que a X acaba de levantar a possibilidade de introduzir um acesso pago para que os utilizadores tenham que se inscrever e pagar para usar os serviços, a comissária, questionada sobre se pode ser uma boa ideia para combater a desinformação, diz que tem as suas dúvidas.
“O Twitter estava a funcionar muito bem connosco, União Europeia, porque o código de conduta contra a desinformação era (e ainda é) uma espécie de acordo voluntário… um esforço bastante exigente para as plataformas, porque queremos que contratem verificadores de factos e acertem os factos no seu espaço”, afirma.
Pessoalmente, a comissária lamenta que o Twitter tenha decidido abandonar o código de prática porque também foi a “oportunidade de ter uma plataforma de discussão muito aberta sobre o que é viável no mundo das tecnologias”.
No entanto, afirma, “o Twitter está em falta connosco. Não é uma obrigação fazer parte do código, mas é uma obrigação - e eu já disse isso - de cumprir as regras juridicamente vinculativas, no caso, a Lei de Serviços Digitais”.