15 dez, 2023 • José Pedro Frazão
O Relatório de Síntese sobre o Estado da Saúde na União Europeia 2023 sublinha a necessidade de apostar em reformas de saúde mental, combater as desigualdades na saúde e manter o investimento na resiliência dos sistemas de saúde.
No plano da saúde mental, o documento considera imperioso que as reformas sejam focadas na prevenção, tratamento e reintegração de pacientes, com a preocupação de travar a estigmatização associada a esta patologia.
A prioridade dada à saúde mental está ligada aos impactos da pandemia de Covid-19. Se antes de 2020, uma em cada seis pessoas na União Europeia sofria de problemas de saúde mental, o primeiro ano de pandemia levou a um aumento da prevalência global de ansiedade e depressão em 25%, segundo dados mundiais avançados pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Portugal revelava em 2019 a maior percentagem europeia de mulheres que se declaravam deprimidas, com cerca do dobro da média da UE, de acordo com dados do Eurostat. "A prevalência de perturbações de saúde mental em Portugal está entre as mais elevadas da UE, com uma estimativa de 22% da população afetada em 2019", acrescenta este relatório. Em diversos países europeus, as estimativas apontam para a duplicação da prevalência de sintomas de depressão durante a pandemia em comparação com os níveis pré-pandémicos.
Acresce a questão do estigma, presente não apenas nas redes sociais mas também nos locais de trabalho, com 50% dos trabalhadores a testemunhar que a divulgação de um problema de saúde mental teria um impacto negativo na sua carreira, conforme dados de um Eurobarómetro de 2022.
Embora as doenças cardiovasculares sejam a principal causa de morte na UE e no mundo (1,7 milhão de óbitos na Europa por ano) e representem 77% do quadro de doenças na Europa, o cancro surge logo a seguir. Em Portugal, estas duas causas estão na base de metade dos óbitos (dados de 2020) num país onde, de acordo com o relatório, o excesso de mortalidade permaneceu relativamente estável em aproximadamente 12% acima da linha de base pré-pandemia.
Bruxelas identifica a luta contra o cancro como uma das maiores ameaças à saúde no pós-pandemia. Em 2022, foi diagnosticado um novo caso de cancro na UE a cada 12 segundos. Mantendo esta tendência nos próximos anos, "o número de diagnósticos na UE aumentaria 18% em 2040 em comparação com 2022 e o envelhecimento da população levaria a um aumento de 26% no número de mortes por cancro em 2040 em comparação com 2022", lê-se no relatório que salienta, por outro lado, que 40% de todos cancros podem ser reduzidos com a aplicação do atual conhecimento da ciência.
No seu texto introdutório, Stella Kyriakides salienta o Plano de Ação de Luta contra o Cancro anunciado já em fevereiro de 2021 que, sublinha a comissária europeia da Saúde, é um plano "sem precedentes e bem financiado" que já está a produzir "resultados tangíveis".
No caso de Portugal, o relatório sublinha a incidência do consumo do álcool e da "preocupação crescente" com a obesidade. Neste último caso, mais de 17% dos adultos são obesos e, incluindo os adolescentes, os portugueses têm das mais baixas taxas de atividade física regular da União Europeia.
O relatório sublinha a importância de uma abordagem multissectorial no combate às desigualdades na saúde dentro e fora de cada país. O documento reconhece que os atuais indicadores de saúde "não conseguem esclarecer a cobertura dos serviços de saúde essenciais às populações que estão a ficar para trás". As desigualdades podem situar-se no plano socioeconómico ou nas disparidades regionais no acesso a cuidados de saúde primários e a consultas de especialidade.
No caso português, o relatório assinala a falta de médicos que leva a redução da procura dos serviços de saúde entre 2019 e 2023 . " A extensão dos desafios de acessibilidade decorrentes da insuficiência de pessoal varia entre serviços e regiões, com as regiões do sul normalmente a experimentar dificuldades mais graves", pode ler-se no documento.
O relatório sugere que os estados-membros "devem conceber regimes de cobertura de cuidados de saúde de tal forma que diminuam ainda mais os efeitos de empobrecimento para as famílias do pagamento direto de cuidados de saúde". O documento assinala uma relação direta " em mais de um terço dos estados-membros" entre a cobertura pública de benefícios de saúde e a redução da desigualdade na distribuição de rendimento, ao ponto de equivaler a todas as outras transferências sociais com exceção das pensões.
O texto assinala que as despesas privadas com saúde representaram mais de um terço da despesa total com saúde de Portugal – uma percentagem quase o dobro da média da UE. Em 2021, Portugal bateu recordes na União Europeia ao destinar 44% da sua despesa global em saúde em ambulatório, segundo o relatório, que assinala, por outro lado, que apenas 5% do orçamento da saúde vai para os cuidados continuados, "destacando a dependência do país da disponibilidade de cuidadores informais para a sua prestação".
O documento apela ainda à continuidade dos investimentos para que os sistemas de saúde se revelem resilientes e com a necessária acessibilidade, incluindo "mecanismos robustos de recolha de dados".
A percentagem de gastos com prevenção no bolo total de despesas no sector estagnou abaixo de 3% em toda a UE durante o período 2014-2019. Com a pandemia e o investimento em vacinas, os orçamentos em prevenção aumentaram para 3,5% em 2020 e para 6% em 2021. Um dos grandes desafios é avaliar se este investimento será sustentado nos próximos anos, assinala o relatório.
"As reformas de saúde no âmbito dos Planos de Recuperação e Resiliência e as recomendações específicas por país, em matéria de saúde, adotadas no âmbito do Semestre Europeu são cruciais para garantir investimentos na saúde, tanto provenientes de fundos da UE como fundos nacionais", pode ler-se no documento.
A Comissária Europeia da Saúde assinala a necessidade de "inclusão e solidariedade" na transformação digital dos cuidados de saúde, sublinhando a aposta no "Espaço Europeu de Dados de Saúde". Este mecanismo é anunciado como uma proposta para que os cidadãos tenham poder e acesso aos seus dados para que se possa "desbloquear verdadeiramente o seu potencial para desenvolver melhores soluções de tratamento e cuidados" para os cidadãos europeus.