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Centro Jacques Delors sugere prolongamento da missão europeia de assistência militar à Ucrânia até 2027

03 nov, 2023 • José Pedro Frazão


Um estudo de um dos principais institutos europeus de reflexão conclui que é preciso mais tempo para formar os soldados ucranianos na Europa. A extensão do mandato da missão EUMAMUA permitiria melhorar o planeamento ucraniano, conhecer melhor o campo de batalha e até aprender com os combatentes que fazem frente aos russos.

Um estudo do Centro Jacques Delors defende que a Missão de Formação da UE de Apoio à Ucrânia (EUMAMUA) deve ser prolongada, pelo menos, até ao fim de 2027, data do fim do atual quadro financeiro multianual da União Europeia. A sugestão implica o financiamento de um prolongamento por mais três anos da EUMAMUA, que expira em novembro de 2024.

Primeira missão de treino militar organizada em território europeu, entre Bruxelas, Zagan na Polónia e Strausberg na Alemanha, a EUMAMUA está orçada em 107 milhões de euros, com origem no Mecanismo Europeu de Apoio à Paz, e deve treinar 40 mil soldados ucranianos até ao fim do seu mandato, com recurso a meios adicionais de 24 Estados-membros (incluindo Portugal), além da Noruega, Reino Unido e Estados Unidos.

O relatório sustenta que as incertezas sobre o financiamento europeu neste domínio "prejudicam a capacidade de planeamento militar da Ucrânia e fornecem combustível às alegações de alegada fadiga na ajuda ocidental". O reforço do Mecanismo Europeu de Apoio à Paz implica um fundo EPF de 20 mil milhões de euros para ajudar a Ucrânia durante os próximos quatro anos.

Uma extensão do mandato pode ajudar a Ucrânia a planear o seu aparelho militar de forma a permitir o envio de militares por mais tempo para receber formação - sobretudo especializada - longe da linha da frente, defende o Centro Jacques Delors, um dos institutos de reflexão mais prestigiados da Europa.

"A Ucrânia pode prolongar a duração do treino para unidades militares específicas, em vez de definir a duração do treino através de uma versão padrão de um máximo de seis semanas", sugere o relatório.

Falta tempo para formar soldados

A análise, da autoria de Sascha Ostanina, aponta para escassez de tempo para que a missão europeia faça a diferença no teatro de batalha através da formação prestada aos soldados ucranianos. O relatório assinala que a Ucrânia precisou de, pelo menos, cinco meses para preparar a operação de contraofensiva, "principalmente para treinar as suas tropas na UE". Em tempos de paz, pode ler-se no estudo, a criação de uma brigada coesa de soldados profissionais exige entre um e dois anos de formação.

"Um soldado de infantaria do Reino Unido tem 28 semanas para completar uma tarefa básica e uma sessão de treino especializado; um oficial do exército recebe três anos de treino antes de entrar numa zona de guerra", exemplifica a analista para dar uma ideia da escala de tempo gasta fora de um contexto de combate.

A Ucrânia conseguiu afastar os seus soldados da linha da frente apenas durante 4 a 6 semanas para treino. A formação na União Europeia obrigou a Ucrânia a manter as suas brigadas da linha da frente na rotação mínima durante o inverno de 2022 e a primavera de 2023. "Uma dessas compensações registou-se no Donbass, na cidade de Bakhmut, onde os soldados enfrentaram uma pior taxa de desgaste", pode ler-se no estudo.

Um prolongamento do tempo de treino militar iria reduzir a densidade de tropas a níveis perigosamente baixos para a Ucrânia. "O objetivo da UE de treinar, em apenas algumas semanas, uma mistura de civis e soldados com formação de estilo soviético para se tornarem brigadas militares coesas equipadas pelo Ocidente é impossível", assinala o relatório, que expõe o dilema ucraniano entre manter a guerra no nível atual e arriscar uma formação que não deverá trazer "eficiência significativa" até ao fim da missão da EUMAMUA.

Os desafios de treinar os ucranianos na Europa

Sobra ainda um problema de recrutamento militar, apesar do aumento das fileiras do Exército desde a invasão de 2022, passando de 300 mil soldados para cerca de um milhão de combatentes, mobilizando reservistas e civis.

"Estes dois grupos de soldados, com idades compreendidas entre os 19 e os 71 anos, constituem dois terços dos formandos ucranianos enviados para formação na EUMAMUA. O elevado número de soldados relativamente inexperientes implica um foco mais forte no treino básico de habilidades individuais em detrimento da formação coletiva", escreve a analista do Centro Jacques Delors.

Sascha Ostanina cita outro número que simboliza os obstáculos adicionais desta formação em solo europeu: as Forças Armadas da Alemanha utilizam 300 tradutores por dia, em média, para treinar ucranianos 12 horas por dia, seis dias por semana.

Como se não bastasse este desafio, as dimensões tático-estratégicas da formação parecem estar descontextualizadas face à realidade do campo de batalha ucraniano. "Por exemplo, os formadores ocidentais sugeriram simplesmente contornar os campos minados russos, sem perceber que esses campos podem ter dezenas de quilómetros de largura. Além disso, os atuais regulamentos de segurança na UE e na NATO, concebidos para prevenir acidentes de treino, proíbem a criação de cursos intensivos eficazes", escreve esta analista que sugere o envolvimento de comandantes ucranianos de nível inferior com experiência recente no campo de batalha para desenhar os cursos de formação ocidentais.

Aprender com os ucranianos

Se a EUMAMUA permite que as tropas ucranianas maximizem a utilidade dos sistemas de armamento e táticas de campo de batalha ocidentais na sua luta, os benefícios existem também para o lado ocidental, nomeadamente na reavaliação de doutrinas, armamento e táticas, observa o relatório do Centro Jacques Delors.

"Combater o exército da Rússia, mesmo no seu atual estado de desordem, significa sustentar uma guerra convencional em grande escala em casa contra um inimigo quase igual com uma considerável vantagem em mão de obra", adverte a relatora, descrevendo uma forte dependência russa de "poder de fogo esmagador de canhões e foguetes de artilharia, bastante aprimorado pelo emprego de veículos aéreos não tripulados e outros meios de vigilância de alta tecnologia".

A analista Sascha Ostanina acredita, por isso, que os exércitos europeus "beneficiarão ao recolher perspetivas do único país com experiência única em primeira mão de combate a ataques convencionais em guerra entre pares no seu próprio solo". O estudo indica que, ao ajustar ainda mais as suas missões de formação para servir as necessidades a longo prazo das forças armadas dos seus parceiros, a UE poderá estar mais bem preparada para conflitos futuros. "Só assim pode a UE continuar a ser um ator de paz credível, capaz de ensinar como combater".

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