27 dez, 2018 • Redação
O eurodeputado Francisco Assis não acredita que o primeiro-ministro venha a ceder ás pretensões dos professores, em matéria de contagem de tempo de serviço, face à impossibilidade de descurar as finanças públicas. "O Governo não pode ceder", aponta.
"Ceder à reivindicação terá efeitos nos anos subsequentes e não é só por termos compromissos no plano europeu, é porque temos, de facto, um problema sério com a dívida e temos a necessidade de resolver o problema das finanças públicas. Essa tem sido, felizmente, uma linha de orientação do Governo e penso que, aí, o primeiro-ministro é absolutamente inflexível. Se há matéria em que ele mostrou ser inflexível foi nessa e não creio que ele venha a ceder com facilidade às pretensões dos professores", diz Assis, no habitual espaço de debate das quintas-feiras, com João Taborda da Gama, na Manhã da Renascença.
Francisco Assis considera que o veto presidencial "é um percalço para o Governo", mas não fuma "derrota", porque o veto "era algo que, certamente, já estaria no horizonte do Governo". Para Assis, "a questão de fundo é saber como é que isto se vai resolver".
"A verdade é que o Governo, no processo negocial, deu alguns passos, na medida em que atendeu parcialmente as reivindicações dos professores. Por outro lado, os sindicatos têm-se mantido inamovíveis na sua reivindicação inicial, que é a contagem integral. Assim, vamos regressar a um processo negocial em que a questão fundamental será a da capacidade financeira, a de saber da existência de capacidade financeira para atender à reivindicação."
"O Governo não pode ceder e não deve ceder inteiramente. Pode haver outras áreas objeto de negociação e os sindicatos têm que perceber que as questões que se colocam aos professores e ao ensino em Portugal não se confinam a este tema", enfatiza Francisco Assis.
As eleições...
Questionado sobre se o Governo conseguirá resistir à pressão dos professores em ano eleitoral, Assis defende que "as duas questões não estão dissociadas, mas a primeira é mais importante do que a segunda, porque estamos a falar de um valor muito elevado e que pode ter amplitude maior, se, em resultado de um hipotético acordo com os professores em que houvesse cedência do Governo, outras carreiras da administração pública viessem exigir tratamento semelhante".
"Estamos perante uma situação complicada. Creio que a questão financeira é a questão fundamental. Não discuto se os professores têm ou não têm razão, até admito que lhes tenham sido criadas expetativas, mas é preciso enquadrar esta reivindicação no contexto das disponibilidade financeiras reais do Estado português", remata.
Vitória dos professores
João Taborda da Gama sublinha que os professores "têm razão para cantar vitória", porque "àquilo que tinha sido um simulacro de negociação por parte do Governo em Dezembro, o Presidente bateu forte na mesa e disse 'isso não vale'".
Para Taborda da Gama, Marcelo "arranjou um argumento formal, no sentido em que o orçamento só entra em vigor em janeiro e em janeiro é que é preciso proceder à negociação, mas, no fundo, veio dizer é que é preciso fazer uma negociação séria com os sindicatos e dá um sinal quanto ao desfecho da negociação porque, naturalmente e se o PR estivesse satisfeito com a contagem que o Governo fez, não ia arranjar um pretexto formal e cronológico para vetar o diploma".
"O veto não obriga o Governo a a ceder, não obriga quanto ao resultado, mas acho que há um sinal forte da parte do Presidenete, que se pôs ao lado da luta dos professores", argumenta.
O argumento da inconstitucionalidade
A possibilidade de um segundo veto de Belém, com recurso à tese da inconstitucionalidade do diploma, é apontada por diversos observadores. O facto de os professores da Madeira e dos Açores verem a sua pretensão satisfeita poderá, segundo alguns pontos de vista, chocar com preceitos da lei fundamental, mas Assis não acredita que o argumento colha.
"Tenho muitas dúvidas de que se possa arguir a inconstitucionalidade. Se isso acontecesse, o Governo da República ficaria prisioneiro de decisões que fossem tomadas ao nível dos governos regionais", defende.
O eurodeputado do PS não deixa, neste aspeto, de criticar a posição do executivo socialista açoriano: "Do ponto de vista político, causou-me a maior perplexidade o facto do Governo Regional dos Açores, que é um governo do PS, ter tomado aquela decisão porque, objetivamente, isso enfraqueceu o Governo da República. Foi um significativo factor de perturbação, claramente aproveitado pelo próprio Presidente da República e que voai ser aproveitado por todos os que têm um perspetiva crítica do Governo."
João Taborda da Gama nota que "os professores estão a jogar com a criação de um sentimento de desigualdade, apontando o exemplo das regiões autónomas, mas não acredita que "isso crie uma questão de inconstitucionalidade no seu sentido mais puro, já que há autonomia financeira nas regiões".
"A questão pode suscitar a dúvida, pode suscitar o pretexto e pode gerar entre os professores e a população em geral um sentimento de tratamento desigual que terá de ser resolvido do ponto de vista político", aponta Gama
"Independentemente do desfecho, era bom que se aproveitasse o momento para ter um debate mais profundo sobre o que deve ser a carreira dos professores, a função e a progressão. O debate das carreiras, em que vemos posições bastante iradas e extremadas, adia esse debate que o debate fundamental, porque os professores servem aqueles a quem educam, que são os portugueses e os portugueses somos todos nós. Os professores podem agora ter razão na sua reivindicação -e eu penso que têm juridicamente razão - o Governo não geriu bem o processo, não vejo qual vai ser a saída e acho que isto vai fixar adiado", remata João Taborda da Gama.