13 mai, 2017
Neste fim-de-semana as atenções de muita gente concentram-se em Fátima e na visita ou, mais rigorosamente, na peregrinação do Papa Francisco. Por isso será oportuno olhar para o que se passou desde há um século.
Fátima aconteceu, há cem anos, num contexto marcado pela hostilidade do Estado republicano face à Igreja Católica. A I República restringiu o número de eleitores e não deu o voto às mulheres, receando a influência que os padres teriam sobre elas.
A chamada lei da separação entre o Estado e a Igreja, de 1911, era, no fundo, uma lei de sujeição da Igreja ao Estado. Nesse aspecto não era muito diferente do que acontecia na monarquia constitucional, com a diferença de o catolicismo ser a religião oficial do Estado monárquico. Esse Estado nomeava bispos e párocos, o que era tudo menos saudável, para a política e para a religião.
Em 1917 ia a I Guerra Mundial no seu trágico terceiro ano. Foi então que Portugal entrou nesse conflito sangrento, na Europa, muito por motivos de política interna - unir os partidos em torno dos Democráticos de Afonso Costa. O que, aliás, não foi conseguido: a raiva dos soldados portugueses para com os políticos que os enviaram para as trincheiras da Flandres foi um dos factores do colapso da I República.
1917 também foi o ano em que caiu a monarquia absoluta na Rússia e, meses depois, triunfou a revolução comunista, num país atrasado e pobre, onde tal coisa não era prevista acontecer. Um comunismo militantemente ateu.
O Estado Novo e a Igreja
Depois do colapso da I República, a Igreja Católica acolheu-se à “protecção” do Estado Novo, ainda que com excepções e limites. Tal aproximação serviu a ditadura de Salazar mas teve custos para a vivência da fé católica. Por volta de 1960 várias personalidades e sectores do catolicismo começaram a distanciar-se do regime, com destaque para o Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, e para o Bispo de Nampula, D. Manuel Vieira Pinto.
No plano externo, as relações entre o Estado de Salazar e o Vaticano deterioraram-se, muito por causa das divergências sobre a autodeterminação dos povos colonizados. A vinda de Paulo VI a Fátima no cinquentenário das aparições (1967) esteve para não se realizar, por oposição de Salazar. Acabou por acontecer num ambiente gélido entre o Papa e o presidente do Conselho.
Após o 25 de Abril de 1974 houve o cuidado da parte dos principais políticos, a começar por Mário Soares, de não repetir os erros da I República no relacionamento com a Igreja. E da parte desta realizou-se um considerável esforço de convivência pacífica e cooperante com um Estado laico numa sociedade cada vez mais pluralista.
O chamado “catolicismo sociológico”, isto é, uma religião culturalmente predominante e que regia os usos e costumes sociais, esse catolicismo foi-se desvanecendo a partir de então. Decerto que não foi fácil à Igreja adaptar-se a esta profunda mudança. Mas a mudança favoreceu a autenticidade da fé, que deixou de ser um mero hábito. Agora, em Portugal e em muitos outros países, só é católico quem escolhe sê-lo.
A vitalidade do Evangelho
No nosso tempo, “as práticas crentes deixaram de contar com o reconhecimento cultural e a protecção social de um centro incontestado, bem delimitado e seguro. Perante a indiferença de muitos e a hostilidade de alguns, (nós, católicos) tornámo-nos pobres, não tanto de coisas, mas de relevância, de lugares e de identidade. (...) O cristianismo parece atravessar, hoje, a dor da perda e da insegurança”. São palavras de José Frazão Correia, Superior Provincial dos jesuítas em Portugal, no seu livro “Entre-tanto – a difícil bênção da vida e da fé” (Ed. Paulinas, 2014).
Nos católicos, em Portugal e na Europa, essa “dor da perda” conduz a reacções diversas. Alguns desanimam e abandonam a Igreja, convencidos da irrelevância do catolicismo. Noutros casos, a insegurança leva católicos a refugiarem-se em rígidos preceitos e normas, numa atitude defensiva mais próxima dos fariseus do que de Jesus Cristo – que lembrou que o sábado é para o homem e não o inverso.
Mas há respostas mais saudáveis. Importa lembrar que Cristo, contrariando as expectativas judaicas de um Messias poderoso e político, repudiou as tentações do poder, do dinheiro, do espectáculo. E não se furtava a dialogar e até a comer com gente socialmente mal vista, de prostitutas a cobradores de impostos.
O padre José Frazão Correia alerta para que aquilo que “estamos a perder pode não ser o essencial da nossa fé. Poderão ser formas de segurança sociológica e cultural que, na realidade, encobrem e enfraquecem a surpreendente vitalidade do Evangelho”. É essa vitalidade que o Papa Francisco coloca em primeiro lugar.