Siga-nos no Whatsapp
Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
A+ / A-

Tentar perceber

O islão e a democracia

02 set, 2017 • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


O islamismo não distingue claramente Estado e religião. Um obstáculo à democracia liberal.

Inúmeras vezes foi colocada, nos anos recentes, a questão de saber se o islão seria ou não compatível com um regime democrático liberal. Muitos esperavam uma evolução semelhante à do cristianismo. Durante séculos a Igreja e os Papas detiveram, além de poder religioso, poder temporal. Ora esse tempo foi ultrapassado há muito.

Mas parece que no islão não se esboça sequer uma evolução paralela. Claro que milhões de muçulmanos são pacíficos e decentes. Só que o problema é outro.

O problema não se restringe ao islamismo, embora seja este o mais falado, em grande parte por causa do terrorismo dos radicais, que é rejeitado pelos moderados. Na Índia está no poder central um partido nacionalista. O hinduísmo é claramente apoiado pelo Estado na Índia, contra muçulmanos e cristãos.

E as ditaduras não existem apenas em países islâmicos, como as monarquias absolutas da Arábia Saudita, dos Emiratos Árabes Unidos, etc. No Egipto, depois da queda de Mubarak – um ditador ligado às forças armadas – o país teve um esboço democrático, com eleições ganhas pela chamada Irmandade Muçulmana. Ora, para membros importantes desta organização, a “sharia”, lei religiosa islâmica, devia ser a lei do Estado. “A nossa constituição é o Alcorão”, dizia um desses dirigentes.

Daí que a governação da Irmandade Muçulmana no Egipto tenha sido breve – um golpe de Estado do general Sisi impôs uma nova ditadura militar. Foi um dos grandes falhanços da “Primavera Árabe”, um movimento favorável à liberdade política que irrompeu na Tunísia.

Tunísia, a excepção

Hoje, no mundo muçulmano, apenas na Tunísia vigora um regime político que, não sendo plenamente democrático, é pelo menos moderado e respeitador das liberdades. Importa ter em conta que, após a independência o primeiro presidente da Tunísia, Bourguiba, impôs um Estado laico durante os trinta anos em que mandou no país.

Agora o partido tunisino no poder considera-se “de muçulmanos democratas”, de que não gostam os islâmicos conservadores nem os radicais. Algo de parecido, mas um pouco menos democrático, se pode dizer de Marrocos, onde o poder supremo continua a pertencer ao rei. O mesmo acontece na Jordânia e no Koweit.

E lembremos que, na Argélia, em 1991, houve eleições, ganhas por um partido radical islâmico. Imediatamente os militares argelinos intervieram, anulando as eleições e instituindo a sua ditadura. Seguiram-se doze anos durante os quais se sucederam os assassinatos de uma e da outra parte, numa autêntica guerra civil que terá feito mais de 150 mil mortos. Os militares continuam no poder na Argélia.

A Indonésia é o país onde vivem mais muçulmanos no mundo, mas o Estado é teoricamente laico. O que não impediu que um candidato cristão a governador de Jacarta tenha sido preso. O seu principal opositor proclamava que o islão proibia votar num cristão. Em certas zonas da Indonésia a “sharia” é mesmo aplicada. Na província de Aceh é proibido o álcool, as mulheres têm de se cobrir, o adultério e a homossexualidade são punidos com vergastadas, etc.

A desilusão turca

A mais recente desilusão quanto à democratização política do islamismo é a Turquia. O país, de maioria muçulmana, tornou-se independente após a I Guerra Mundial. Os militares turcos, liderados por Ataturk, impuseram então uma estrita laicidade, proibindo, por exemplo, o véu islâmico nas mulheres. Após décadas de secularismo e de uma democracia manchada por vários golpes militares, em 2003 ganhou as eleições um partido islâmico moderado. O seu líder, Erdogan, foi primeiro-ministro até 2014, altura em que passou a Presidente da República, com amplos poderes.

Ao longo desse período a moderação foi dando lugar a um islamismo autoritário liderado por Erdogan. Houve um brutal recuo nas liberdades cívicas e políticas na Turquia, onde centenas de jornalistas estão presos. Erdogan anunciou que vai repor a pena de morte, que tinha sido abolida por causa das negociações para a Turquia entrar na União Europeia. Uma alegada tentativa de golpe de Estado contra Erdogan, em Julho de 2016, levou a uma enorme repressão que ainda não cessou.

Deve dizer-se que nem sempre as negociações da Turquia com a UE, actualmente suspensas, foram conduzidas com boa-fé da parte dos europeus – vários líderes opunham-se abertamente a receber a Turquia na UE. O que terá contribuído para que Erdogan se voltasse para o mundo muçulmano, desprezando valores ocidentais como a democracia e a separação entre Estado e religião.

Este breve balanço não é encorajador quanto à possibilidade de pelo menos alguns países islâmicos caminharem gradualmente no sentido da democracia liberal. E o grande obstáculo está, porventura, na própria religião islâmica.

Maomé foi um dirigente político, papel que Jesus Cristo recusou sempre, apesar das expectativas dos seus primeiros seguidores israelitas. E o Alcorão não estabelece a distinção que Cristo acentuou quando disse “dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”. Daí que a fé cristã hoje conviva sem problemas com Estados laicos, o que não acontece no mundo islâmico. E tudo indica que tão cedo não irá acontecer.

P.S. Esta coluna estará em férias nas próximas três semanas.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

  • Justus
    05 set, 2017 Espinho 19:03
    Sarsfield Cabral, volta e meia vem contrapor o islamismo e a democracia. Toca tudo pela rama, sem profundidade que a não tem e com uma perspectiva sempre sectária e redutora. Fala em democracia liberal como se esta fosse o ideal para a humanidade, mas não aponta um único país onde exista essa democracia. São tudo teorias e mais teorias! Ataca o islamismo só porque não conhece nada da história destes países ditos ocidentais e que professam outra religião. Porque não fala das cruzadas, dos cristãos que matavam em nome de Deus e morriam também em nome de Deus para serem mártires, irem para o céu e serem santificados? Bem sei que isso foi já há algum tempo, mas recentemente, nestes últimos séculos e anos não faltaram guerras religiosas, onde os cristãos mostraram como se segue os ensinamentos de Cristo, a paz, o amor e a concórdia! Ou será que as guerras e mortes dos cristãos são santas e as dos outros não? A "sharia" é uma prática intolerável para nós ocidentais, mas não nos podemos esquecer das humilhações e dos traumas físicos e psicológicos por que passaram as mulheres destes países ditos democráticos e ocidentais. Será que S. Cabral não sabe que, em Portugal, só em 1966 se acabou com o débito conjugal exigido às mulheres? E que muitos dos direitos que hoje têm foram recentemente adquiridos? O islamismo pode ter, e certamente tem, erros e imperfeições, mas o cristianismo não lhe fica atrás. Ver o argueiro nos olhos dos outros e não ver a trave nos seus é hipocrisia a mais.
  • Arnaldo Martins
    04 set, 2017 Porto 15:23
    O radicalismo religioso, seja ele de que religião for, tem de se combater com inteligência. O radicalismo é sempre praticado de forma traiçoeira e nunca de forma corajosa olhos nos olhos. Eu tenho mais medo dos cobardes do que dos corajosos. De qualquer modo a religião, como ficção que é, tem os seus dias contados e é esta transição que tem de ser bem gerida para que não se percam vidas desnecessariamente.
  • Jorge
    03 set, 2017 Algarve 11:28
    Uma análise HONESTA da REALIDADE! Mas não podemos esquecer que todo este conflito tem SÉCULOS (MILÉNIOS) de "existência"! Sou um "estudante curioso" dos fenómenos religiosos! Hoje, fala-se muito do "extremismo islâmico" mas não há muitos anos ... o que acontecia na Irlanda entre Católicos e Protestantes? Nem o Corão nem a Bíblia "justificam" radicalismos nem "guerras como as cruzadas"! Fala-se muito do "radicalismo islâmico"! O Munir tem, inúmeras vezes, tentado "demarcar-se" do radicalismo! Mas (posso PROVAR) no seio da sua mesquita há quem não se iniba propagandear o radicalismo! CREIO (por Convicção) que A VIDA na Terra foi uma CRIAÇÃO DIVINA! Fala-se muito do "radicalismo islâmico" (uma aberração que também repudio) mas ... então e o Cristianismo? A Inquisição e outras coisas (coisas) "similares" não abonam em NADA o Cristianismo! Mas ... deixemos o "passado"! Olhemos para o que É (hoje) o Cristianismo! No Islamismo (teoricamente) há 2 "seitas" (sunitas e xiistas)! E no Cristianismo? Quantas há? MILHARES que "aparecem e desaparecem"! Qualquer um "pega na Bíblia", distorce-a NA SUA ESSÊNCIA diz o que as pessoas "querem ouvir" e ... ENRIQUECEM DESMESURADAMENTE! E não lhes falta DESCARAMENTO! A Humanidade tem falta de AMOR PRÓPRIO e vive FRUSTRADA! É o "cenário ideal" para os radicalismos! O que é PRECISO é uma "pedrada no charco" para que as pessoas ACORDEM!
  • Sergio Santos
    03 set, 2017 Espargos- Sal Cabo Verde 09:27
    Um retrato fiel do que o islamismo representa face ao ideário democrático. A religião Muculmsna, embora os muçulmanos moderados não o aceitam, dá cobertura integral às carnificinas que nome da Sharia se perpetram sobre os não muçulmanos, até sobre muçulmanos moderadis, para não falar de sobre os que professam religiões diferentes, os infiéis.
  • PSI
    02 set, 2017 LX 16:23
    O islão e a democracia são incompatíveis. Não há nenhum país maioritáriamente islâmico que seja verdadeiramente democrático. Há países islâmicos ricos por mero acaso, estão em cima de enormes reservas de petróleo. O islão é incompatível com o progresso social, com a defesa com os direitos das mulheres, da liberdade religiosa e em geral dos direitos humanos mais básicos.