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Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
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Tentar perceber

Poupança em baixa

28 out, 2017 • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


A ilusão do fim da austeridade e os juros baixos não incentivam a poupar.

Os jovens portugueses e as pessoas de meia-idade lamentam-se frequentemente de que tudo indica que não irão receber pensões de reforma semelhantes às atribuídas às gerações anteriores. Têm razão: é infelizmente provável que tal venha a acontecer.

Agora e de forma crescente, as pessoas vivem, em média, até mais tarde. O que é bom, mas nem todas têm uma velhice com alguma qualidade de vida. O que se sabe é que o consumo de medicamentos e o número de actos médicos aumentará consideravelmente, implicando mais gastos públicos e privados. E como a natalidade em Portugal é das mais baixas do mundo, cada vez haverá menos trabalhadores no activo a descontar para as pensões de um maior número de reformados.

Assim, a verba destinada a pensões de reforma só não descerá muito no futuro se a Segurança Social for buscar mais dinheiro ao Orçamento do Estado – ou seja, se os portugueses pagarem mais impostos. Ora a carga fiscal já é excessiva em Portugal, considerando o valor absoluto dos rendimentos das pessoas, que são baixos em termos europeus. Por outro lado, o Estado social é relativamente recente entre nós; mas as sucessivas crises financeiras reduziram e continuarão a reduzir a sua capacidade para apoios sociais.

Consumir mais, poupar menos

Se a perspectiva é esta, é estranha-se que a poupança das famílias tenha descido para níveis baixíssimos. Talvez ainda haja quem espere do Estado uma ajuda infalível em caso de desemprego ou doença. Uma aposta pouco sensata.

Antes de o Estado social ser uma realidade com alguma expressão na sociedade portuguesa, as famílias, mesmo as relativamente pobres, poupavam para se protegerem de uma desgraça futura. A poupança até não era sempre em dinheiro – podia consistir em guardar alimentos não perecíveis, lenha, etc. Mas poupavam.

Depois parecem ter descansado: o Estado trataria do assunto. Em 1995 as famílias portuguesas pouparam cerca de 13% do seu rendimento disponível. Dez anos depois essa percentagem descera para menos de metade.

A crise da dívida pública, impondo austeridade para evitar a bancarrota, diminuiu a capacidade de poupança, naturalmente. Mas a reposição de cortes salariais na função pública e cortes nas pensões, que aumentou o rendimento disponível das famílias, não levou à subida da poupança, pelo contrário – a maioria dos portugueses preferiu consumir mais.

Em parte, tal opção terá sido induzida pela propaganda governamental, que insistiu à exaustão no fim da austeridade, na viragem da página da austeridade, etc. Demoraram a reparar na outra austeridade – a das cativações de despesas, sem reformar os serviços públicos, muitos dos quais se degradaram; a do fraco investimento público (nos transportes colectivos, por exemplo), as carências do Serviço Nacional de Saúde e de muitas escolas públicas, etc. Mas outros factores travaram a poupança das famílias.

Juros muito baixos

Desde há uns anos, vivemos com taxas de juro historicamente baixas. Durante décadas o grande problema económico era a contínua alta dos preços. Depois, o problema passou a ser o inverso: a deflação, uma baixa continuada dos preços. A deflação é péssima para a economia, até porque muita gente e muitas empresas adiam compras, esperando por preços mais baixos.

Os bancos centrais combatiam a inflação com juros altos. Contra a deflação, o remédio tem sido o inverso, baixar os juros. O BCE, que conseguiu afastar a ameaça de deflação, mantém a sua taxa de juro central em 0%. É que na zona euro a inflação está em 1,5%, quando a meta do BCE é 2%. Nos EUA a Reserva Federal já começou a subir os juros, mas a ritmo muito lento.

As taxas de juro baixas significam que os depósitos bancários pagam quase nada. E esta semana os títulos de dívida pública portuguesa chamados Certificados do Tesouro Poupança Mais foram substituídos por outros certificados, que rendem juros inferiores.

Não há, assim, grande incentivo para poupar. Claro que existem outras formas de aplicar dinheiro, como a bolsa. Mas esta é arriscada e já muita gente perdeu lá dinheiro. A vida não está fácil para quem deseje poupar e obter com isso algum rendimento.

Comentários
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  • FPS
    29 out, 2017 Lisboa 14:43
    A acrescer, os salarios reais estão cadavez mais baixos, apesar da ilusão de "reposição de rendimentos" apreguados por quem detem o poder! Como é que assim se consegue poupar?...
  • Um entre outros
    28 out, 2017 Matosinhos 21:35
    " Em 1995 as famílias portuguesas pouparam cerca de 13% do seu rendimento disponível. Dez anos depois essa percentagem descera para menos de metade.". As teorias "da batata e das estatísticas" nem sempre batem certo com a realidade do dia à dia. Quem anda em contato com o "povo", sabe que os rendimentos do trabalho de 1995, não são iguais aos de 2016/2017, embora também seja verdade que o rendimento dos depósitos são "pobrezinhos" como o povo. Não sendo, por isso difícil de perceber, alguns dos motivos que levam as poupanças a baixar.
  • pedro miguel
    28 out, 2017 19:41
    preciso acrescentar no tema saude.--- existem tabus, mas porque as pessoas nao sao convidadas a pagar. Explico : o serviço de saude existe para salvar pessoas, mesmo assim há limites, como acontece no privado. . Adiante . Mas existem milhares de mortos, mas que sao mantidos vivos, porque é o estado que está a pagar. Clarinho : gastos inuteis, que reforçariam o esforço e qualidade dos sobreviventes.
  • pedro miguel
    28 out, 2017 19:30
    Diz muito, proprio de quem percebe. Mas , digamos. clarifico : efetivamente os pobres poupavam, mas tambem viviam de emprestimos nos vizinhos. e compravam a prestaçoes. mas o que mais interessa é que a poupança era ridicula, pois por uma lado nao dava para mudar de vida, tipo sair da barraca e ir para um apartamento. E na barraca nao tinham as despesas, proprias do apartamento. .Mas o que é mais, para alem de ser entao lucrativo poupar, devido aos juros, existe a desvalorizaçao : e um individuo que tenha que estar institucionalizado numa instituiçao a morrer durante 2 , 3 anos, lá se vai o economizado ( passar fome ) de uma vida. Era assim : quando o individuo juntava mil, o apartamento ja custava 2 mil. e assim sucessivamente. --- V/Ex vai explicando, e só podemos aplaudir. Mas para alem, nao vou dizer treta da natalidade, percebe-se mal essa coisa de menos a descontarem vai prejudicar os reformados. Até porque poderiam ate ser mais individuos a descontar mas a descontar menos dinheiro . Fui claro ? Para que existem os governos senao para prevenir e resolver problemas ! E como nao existir cada vez mais gente, espoliada nestes tempos, com a conivencia dos governos, a viver na boa, que o estado resolvera os problemas de todos, para isso existem ( os governos). .. Justamente, e na saude, os ministros dizem que o estado gasta cada vez mais. E no entanto os serviços publicos degradam-se. enquanto os serviços privados engordam á custa do OE
  • VICTOR MARQUES
    28 out, 2017 Matosinhos 19:01
    Essa, do "Pé de meia" dos outros tempos, acabou! O consumismo desenfreado está na moda e anda à solta. Até tenho visto tipos na rua a pedir esmola com telemóveis da última geração!!!...