20 jan, 2018
Na sua viagem de avião para o Chile, disse o Papa Francisco sobre a perigosa tensão entre os EUA e a Coreia do Norte: “Tenho medo. Estamos no limite". E acrescentou: "Tudo o que é preciso para iniciar uma guerra é um acidente. A situação corre o risco de se precipitar a partir daqui".
De facto, o mundo vive o maior risco de guerra nuclear desde o fim da guerra fria. Mas, dir-se-á, não mantiveram diálogo Norte e Sul coreanos a propósito dos Jogos Olímpicos de Inverno, que começam na Coreia do Sul no próximo mês de Fevereiro? E as duas Coreias não irão competir com uma só equipa e uma única bandeira?
É verdade que houve um certo desanuviamento nas tensões entre a Coreia do Norte e a do Sul. Mas convém lembrar que os norte-coreanos procuram há décadas obter armas nucleares. É uma aspiração que o pai e o avô de Kim Jong Un alimentaram.
Foram celebrados acordos da Coreia do Norte com os EUA em 1994 (era Presidente Jimmy Carter) e 2012 (estava Bill Clinton na Casa Branca); esses acordos previam a renúncia da Coreia do Norte a armas nucleares. Mas a “monarquia” comunista de Pyongyang prosseguiu impunemente e sem hesitações a sua obsessão atómica, violando os acordos assinados.
Quer isto dizer que tentar novos acordos com Kim Jong-un teria pouca eficácia – mais uma vez, a Coreia do Norte não cumpriria os seus compromissos.
Por outro lado, a “monarquia” de Pyongyang tem sabido intercalar períodos de acalmia com fases de extrema agressividade verbal. O presente momento de alguma distensão pode ser seguido, mais tarde ou mais cedo, por novas manifestações agressivas da Coreia do Norte, como o lançamento de mísseis de longo alcance com ogivas nucleares. Vai com certeza realizar mais testes, para assegurar a sua capacidade nuclear.
Toda esta incerteza é agravada pelo facto de os serviços secretos americanos saberem muito pouco sobre o que se passa naquela ditadura fechada ao mundo. Por isso os EUA foram surpreendidos com a rapidez com que a Coreia do Norte desenvolveu tecnologia capaz de lançar mísseis para transportarem ogivas nucleares e para atingirem território americano.
Os receios da Coreia do Sul
E qual é a posição da Coreia do Sul, hoje com um Presidente mais favorável ao diálogo com Pyongyang do que os seus antecessores? Há quem defenda que os entendimentos conseguidos para os Jogos Olímpicos se arriscam a criar um certo distanciamento entre Seul e Washington.
Esse risco existe, claro, mas o Presidente sul-coreano Moon Jae-in não é louco: ele sabe que a sua segurança depende da proteção militar americana; 30 mil soldados americanos mantém-se na Coreia do Sul, para conter eventuais ataques do Norte.
Tal não significa, porém, que os sul-coreanos não receiem a impulsividade de Trump e o seu hábito de publicar “tweets” incendiários, ameaçando Kim Jong-un. Na Coreia do Sul existe, aliás, um certo sentimento anti-americano, como Trump teve ocasião de verificar quando visitou Seul em Novembro passado e foi aí confrontado com grandes manifestações de protesto. Vários analistas consideram, mesmo, que os sul coreanos receiam mais o estilo belicoso e fanfarrão de Trump do que o líder norte coreano.
O que a Coreia do Sul tem procurado obter é uma garantia de Washington de que os EUA não agirão contra a Coreia do Norte sem o conhecimento prévio dos governantes sul coreanos. Mas uma garantia dessas, porventura já dada, não exclui a possibilidade de não ser cumprida, dado o comportamento errático de Trump.
China endurece sanções
Muitas vezes se disse que a chave para resolver o problema da ameaça nuclear da Coreia do Norte estava na China. De facto, os norte-coreanos dependem em alto grau de importações vindas da China, a começar pelo petróleo.
A China apoiou verbalmente as sanções impostas pelo Conselho de Segurança da ONU à Coreia do Norte, mas depois não as cumpria integralmente. Os chineses temem o colapso económico da Coreia do Norte, que provavelmente produziria uma vaga enorme de habitantes desse país a atravessarem a fronteira com a China.
Mas há indícios de que, finalmente, Pequim estaria a endurecer a sua posição face a Pyongyang, no plano económico e também na cooperação militar. Um professor da Universidade de Seul, citado pelo semanário “The Economist”, afirma que se pode agora falar de um autêntico bloqueio económico da China à Coreia do Norte. O que explicaria a atitude menos agressiva de Kim Jong-un nas últimas semanas. É possível, talvez seja mesmo verdade, mas ainda é cedo para tirar conclusões.
Ataque preventivo
Será que Kim Jong-un tenciona lançar um ataque nuclear? Uma pessoa racional não o faria, porque isso levaria à sua própria destruição num contra-ataque americano. Assim vivemos durante a guerra fria, com o equilíbrio do terror a garantir a paz – qualquer uma das duas partes sabia que desencadear um conflito nuclear equivaleria a um suicídio.
Mas será Kim Jong uma pessoa racional? Não temos a certeza.
Uma coisa é clara: sanções económicas, que tragam a miséria à população da Coreia do Norte, não preocupam os dirigentes norte coreanos, sendo por isso ineficazes. No passado recente o pai e o avô de Kim Jong-un mostraram uma completa indiferença face aos sofrimentos do seu povo. Milhões morreram à fome.
Nos EUA põe-se a hipótese de um ataque preventivo contra a Coreia do Norte. Em Abril do ano passado, os EUA lançaram 59 mísseis contra uma base aérea na Síria, em resposta a um ataque químico das forças de Assad que matara mais de 80 pessoas.
Mas agora estão em jogo armas nucleares, com um potencial de destruição muitíssimo maior. Morreriam milhões de coreanos do Norte e também do Sul, bem como milhares de soldados americanos estacionados na Coreia do Sul, vítimas de uma guerra nuclear. E não se pode descartar a possibilidade de Kim Jong-un retaliar, com um ataque nuclear a cidades americanas.
A probabilidade de ataques cirúrgicos contra material nuclear armazenado na Coreia do Norte é também remota. Os mísseis e as ogivas nucleares da Coreia do Norte estão escondidos, provavelmente debaixo de terra, e os americanos não sabem ao certo onde. Um ataque com armas convencionais, incluindo tropas americanas no terreno, poderá, também, levar a uma resposta nuclear de Kim Jong-un.
A situação não é, pois, muito animadora. Trump disse tudo e o seu contrário, desde que queria negociar com Kim Jong-un até prometer ataques apocalípticos à Coreia de Norte. E prometeu, sobretudo, que ele, Trump, resolveria o assunto, ainda que a China não cooperasse.
Uma pessoa que faz constantemente afirmações desbocadas deste tipo terá dificuldade em manter o sangue frio na prolongada guerra de nervos que se perspectiva. Esse é o problema principal.